terça-feira, 13 de maio de 2008

Ala que se faz Deserto!


O
português levantou-se da cama, benzeu-se, encheu as calças com as pernas e vociferando contra as calças e contra as pernas, cambaleou até à varanda do prédio. Pintadas de azul pálido, as paredes assistiam sonolentas aos tenros passos lusitanos que pisavam os últimos bocejos de ramela matinal.
O português abriu a janela de vidro e logo uns raios de brisa lhe espanejaram os restos de poeira nocturna que dormiam ainda no seu rosto. Descalço, olhou a fria tijoleira disposta em mosaico e titubeou ao senti-la com os pés (era pouco prudente, podia apanhar uma constipação). Mas uma vez não são vezes…então, apoiou as mãos sobre as grades para admirar, com firmeza, o horizonte.
Depois, inspirou visceralmente até as veias se dilatarem, e num ímpeto de coração bondoso verbalizou a sua cólera:
- A culpa é do Governo!
O Sol bonacheirão espreitava por entre as nuvens, espalhando o seu festim sob grinaldas d’oiro. Ao longe, afagado no manto verde de colinas frescas, debuxava-se um camelo gigante. Entre as suas louras bossas, suportava o peso da República vestida de escarlate, com uma negra trança esguedelhada e democrática a roçar-lhe o alvo pescoço.
- Isto só neste país…sugam-nos até aos ossos. É tudo por causa do Sistema!
Tolhido, nesse ulular de sociedade em palavras soltas, o camelo da República gemia, rodopiava agoniado, cuspindo uma espiral de baba patriótica que pintava títulos em jornais.
“Portugal e Suécia devem aproximar-se”
“Procurador exige novas medidas do Governo contra a corrupção”


…o português adormecido, com voz e visão trémula, discursava:
- Cada um tem a sua cruz, não é verdade? É nossa obrigação aguentá-la. Fala-se demasiado da boca para fora, é o que é...com a barriga cheia, mas há quem esteja bem pior. Não se pode fazer nada, a vida é difícil.
Por instantes, o pensamento (do) português entregou-se ao silêncio, quando, por becos devotos e devassos, se ouviu o rastejar dum perfil amargo. Era Regina que, encostada ao umbral da porta, se edificava sacramente com a composição duma intriga romanesca lá do bairro. A malvadez enegrecia-lhe as roupas, secava-lhe as peles:

- Deve querer muito apanhar uma gripe homem, p’ra estar aí de pés nus.
- Ora muito bom dia Dona Regina!
O português achou-se simpático, mas a ditosa noveleira virara costas sem responder e presa no gancho de maledicência que lhe puxava os cabelos grisalhos, seguiu a sua procissão de murmúrios e orações.
"Nove peregrinos atropelados em Santa Maria da Feira"
“São já 17 as mulheres mortas vítimas de violência doméstica”

“Cristiano Ronaldo brilha no casamento da irmã”


Subitamente, o camelo decide descer as colinas até à cidade para ver, de perto, os óculos da Ana que passavam na rua. Uma armação exagerada rodeava as lentes de vidro, que espelhavam várias tonalidades de castanho, sobrepostas segundo um grau sequencial de desvanecimento. Lindos. Tutchis. Passeavam-se sumptuosos, pintando a Ana num ornamento viscoso de gloss. Interrompida a sua política de urinol, o português (enquanto olhava) repetiu para si próprio aquela máxima que em poucas palavras encerra um princípio de grande alcance:
- Ei gaja boa!

Os pardais chilreavam um rasto de ninho nos beirais dos telhados e as nuvens, essas, vertendo no céu o azul da sua dança, figuravam navios e heróis saudosos, com as suas formas cinzeladas.
Embaída pelas nuvens, a República não tardou em erguer os seus olhos de azeitona, lançando-os, acidentalmente, à varanda do prédio. O português reconheceu-lhe a trança e numa agitação adolescente, com a sua torrada na mão, cavalgou as escadas, correndo a abraçá-la. Beijou-lhe as facezinhas coradas, afagou-lhe o cabelo, deitando as suas ideias cansadas naquele ombro feminino e consolador. O camelo assistia ruminando um panfleto de publicidade amarelo. Ela envolveu-o com os braços, acariciando-lhe o pescoço, e apertou-o…apertou-o com a força de asfixia, cravando-lhe as unhas na pele, até que o português tombou no chão desmaiado.
Lá ficou, sucessivamente …com a torrada na mão e o papel no bolso das calças, onde anotara as coisas que
tinha de se lembrar e as coisas de que não se podia esquecer.






Texto ainda não editado pela professora





10 comentários:

Cláudia Amorim disse...

ok demorei mais tempo a encontrar essa imagem do que propriamente a escrever o texto.

Cláudia Amorim disse...

cof e atrasei-me 5 min

Cláudia Amorim disse...

depois eu venho cá,com tempo, explicar o porquê do camelo
*“Três transformações do espírito vos menciono: como o espírito se muda em camelo, e o camelo em leão, e o leão, finalmente, em criança.”
camelo...carga

agora estou cansada
vou dormir

Nuno Areia disse...

ja n se fazem lentes de vidro...

Nuno Areia disse...

peço dscpla pela incorrecção... parece que ainda se fazem lentes de vidro.

Nuno Areia disse...

a claudia e a maior...

Scorpionster disse...

desculpa, o chuck norris é o maior...

mas não ponho de parte a possibilidade de vocês os dois estarem empatados comigo no segundo lugar :P
...

Anónimo disse...

acho que o chuck norris nao vai gostar de saber que lhes estas a roubar um dos lugares, isto visto que ele fica em 1º 2º e 3º

Fátima Inácio Gomes disse...

Mais uma vez, esmagada.
Não te esqueças de te lembrares de mim, quando chegares a Grande!

Scorpionster disse...

bask in thy richness... all I want is to bask in thy richness xD