terça-feira, 13 de maio de 2008

Uma família chamada Meirelles

Capítulo I

A família Meirelles encontrava-se, como todos os domingos, empanturrada [?] no sofá agarrando devoradoramente o comando e, sistematicamente, mudando de canal à procura de uma programação de jeito. Tudo lhe parecera igual. O velho e mal cheiroso sofá, as pipocas secas, a mãe que vivia de um lado para outro, ora pondo roupa a lavar, ora lavando loiça. Nada, naquele Domingo, lhe parecera estranho. Mas havia algo: a menina da casa tinha-se mudado ontem para Espanha, acabara o secundário, e por a média de Medicina em Portugal ser muito alta mudara-se para lá, há procura de uma vida melhor.
Os Meirelles viviam no Centro de Lisboa, era uma família de classe média, composta por quatro elementos. O pai com 41 anos, a mãe, uma linda senhora de 36 anos, professora de História, e os seus meninos, a Beatriz de 18 anos, e o pachorrento mas amoroso menino de 10 anos. António e Madalena tinham-se casado muito novos, pois já carregavam o peso de ser pais. Naquele tempo, os pais de Madalena, uma família do interior muito conservadora obrigaram-na a fazer um aborto, pois consideravam um insulto às leis da boa família uma gravidez fora do casamento. Mas nessa mesma madrugada os dois fugiram e mudaram-se para Lisboa, onde mais tarde realizaram o seu casamento e o baptizado da recém-nascida. Desde então, nunca mais falaram com os pais de Madalena. A família Meirelles foi crescendo. António arranjou um emprego numa fábrica têxtil, Madalena formou-se em História, pois desde pequena adorava desvendar todos os segredos das duras e fatais batalhas, e a menina tornara-se a mais inteligente da turma. Passados oito anos nasce um menino, o Nuno, com 4,5kg e apenas com 43cm, o que mostrava já a sua tendência de absorver tudo o estava por perto.
Mas nesse Domingo, Madalena sentira-se só. Sentia a falta da sua menina, e esta ausência trouxera-lhe à memória aquela madrugada, a carta que deixara a seus pais mergulhada em lágrimas de mágoa, e o seu desespero em querer salvar Beatriz. Nada, naquele momento, lhe parecera mais certo e agora também não, mas queria abraçar, sentir o calor da sua mãe, a mão áspera do seu pai, acariciando suas faces. Mas logo, por entre a porta encostada, olhara Nuno e António e via que não podia pedir mais. Só que na vida dos Meirelles tudo ia mudar.




Capítulo II

O Domingo passou. António regressou ao trabalho. Madalena saberia hoje em que escola ia ser colocada. E o menino, bem, esse ainda continuava bem acomodado por entre os lençóis, pois só tinha aulas de tarde.
À noite, ao jantar, Madalena e o seu marido remexiam na comida, só Nuno a devorava sem pestanejar. Sua mãe engoliu a comida em seco, e virando para a sua família disse-lhes:
- Então como correu o vosso dia?
Nuno fixou os olhos no garfo e disse que tinha sido um dia como todos os outros, apenas havia uma diferença, tinha de aturar novos professores.
- E então não gostaste da tua nova escola? Já estás crescido filho. E do 1ºciclo para o 2º é uma grande diferença. E a tua directora de turma é simpática? Já tens novos amigos?
O menino, que então comia, virou-se para mãe e disse:
- Não são perguntas a mais? Sim, gostei da escola, da professora, e quanto aos amigos… bem não posso estar distraído nas aulas, não é. Agora posso comer?
-Sim, podes claro. Só te faço estas perguntas porque me preocupo contigo - Madalena fez um pausa e continuou – Tenho uma coisa para vos dizer, já sei onde fiquei colocada, mas não sei se vos agradará. Fui colocada no interior do país, mais certamente, em Portalegre.
António franziu a sobrancelha e levantando a cabeça que até aí estivera enfiada no prato perguntou:
- Mas isso não é…? O destino às vezes é cruel. Vais aceitar?
- Tenho que aceitar. É preciso colocar dinheiro nesta casa. Temos uma filha a estudar no estrangeiro que precisa de nós para ter um futuro melhor. Portalegre não é assim tão longe, posso ir e vir todos os dias. Só tenho que ir mais cedo e chego a casa um pouco mais tarde. O mundo é muito pequeno e Portugal mais ainda. É preciso ajudarmo-nos uns aos outros.
O silêncio reinou pela casa. E os Meirelles, nesse dia, não trocaram mais uma frase. Durante a noite, António não pregara olho. Tinha uma coisa que não contara à sua família, e prometera que no dia seguinte o faria.
Só que passou um dia, e mais outros. E António sentira que não poderia esconder mais, estava na altura de contar. Chamou a família à sala e pediu para que se sentassem, pois tinha algo importante para lhes dizer. Inspirou e expirou e lá teve a coragem e disse-lhes:
- Não sei por onde começar. E não queria que me interrompessem, pois durante estes dias pensei mil e umas maneiras de vos contar. Segunda-feira, quando cheguei ao trabalho, os portões estavam fechados a cadeado, e apenas se encontrara uma cruel e gélida carta assinada pelo patrão que dizia que a fábrica, devido a falta de encomendas e às dívidas que tinha acumulado durante anos, tinha que encerrar, deixando 250 trabalhadores no desemprego. Peço-vos desculpa por só vos dizer agora, só que toda aquela emboscada que nos preparam, aquela falta de carácter perante os responsáveis tomou o meu corpo e a minha alma.
Madalena olhou fixamente para o seu marido e dissera-lhe:
- Eu já sabia. Uma fábrica daquele prestigio quando se afunda é normal que tudo venha a tona. E todos aqueles dias que saías fingindo que ias trabalhar eu sabia, que ias dar uma volta junto ao mar, pois só isso te acalma. Mas agora não há nada a fazer. Não podemos esperar pelo fundo de desemprego. Normalmente, tem de se esperar pelo menos um mês para se receber, e depois só receberás o salário mínimo. Vamos ter que apertar o “cinto”.
- Ainda por cima agora, com os juros sempre a subir. Como faremos para pagar a casa, o carro, as contas, e as escolas?
- Teremos de comprar só o básico até tu conseguires arranjar um novo emprego. E eu, para o meu emprego, terei de ir de transportes públicos, por causa dos preços dos combustíveis.
Tudo parecia remediado, pelo menos, esclarecido estava. Eram já dez horas. Madalena acabara de falar com a filha e contara-lhe as tristes notícias, fazendo Beatriz prometer à mãe que ia conter-se nas despesas. Todos se encontravam já na cama.
Nuno era o único que ainda permanecera acordado, ficava olhando o tecto vezes e vezes sem conta, matutando na sua pequenita cabeça, o que ouvira seus pais dizer.
- Apertar o “cinto”? Será que vou ter que sair da escola? Que fixe. Ainda bem que o papá ficou sem emprego. Mas por outro lado, os meus docinhos fazem-me falta, e eu já nem consigo viver sem eles.
Toda esta conversa tinha afligido Nuno. Sabia como o papá e a mamã estavam preocupados. Mas a ideia que lhe viera à cabeça de que não iria mais para a escola deixava-o animado. Não que não gostasse das aulas, e dos professores, apenas não gostava dos seus colegas. Desde pequeno Nuno foi gordinho e, por isso, foi ganhando alcunhas e mais alcunhas que descreviam a sua barriguinha saída, as suas coxas enchidas, e a sua face rechonchuda. Nuno não escondia a sua vontade enorme de comer, nem fazia dietas. O que ele mesmo gostava era chegar a casa, rodear-se de chocolates, gomas, bolos, leites chocolatados, e outras coisas recheadas de cacau e cobertas de calorias, diante da sua estimada playstation. Às vezes, ia para a sala e sentava-se no sofá assistindo filmes, desenhos animados, mas mal a sua mãe chegava, escondia a comida debaixo do sofá, ficando lá dias a fio. E por tanto pensar em doces, Nuno acabara por adormecer.



Capítulo III

Passaram-se três anos. A família Meirelles foi sobrevivendo às subidas dos preços, à distancia, à gula do filho, e à falta de tempo para António e Madalena estarem juntos. Há um ano atrás, quase se separaram. Esta vida desordenada e sem rumo trouxera-lhes discussões dias após dias, chegando mesmo Madalena a passar uns dias fora. Mas logo se arrependera e voltara para casa. Nuno cresceu, para o lado, a falta de atenção dos pais fez com que se refugiasse mais nos doces e de dia para dia a sua “dieta” foi aumentando. Agora pesa cento e vinte quilos e, por isso, encontra-se num plano específico para emagrecer, caso contrário passará os seus próximos anos agarrado a uma lista de espera para conseguir colocar uma banda gástrica. Beatriz arranjou trabalho por Espanha, para conseguir ajudar os pais com as despesas, mas quando seu pai arranjou trabalho logo se despediu. António trabalha agora noutra empresa têxtil como encarregado. Este trabalho trouxera-lhe uma nova felicidade a si e à sua família.


Fim
Cátia Sofia Carvalho Ferreira, nº 6, 11ºB

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