quinta-feira, 28 de outubro de 2010

Poemário

O poema desta semana foi trazido pela Carla Gonçalves:


O  VERÃO

Estás no verão,

num fio de repousada água, nos espelhos perdidos sobre
a duna.
Estás em mim,
nas obscuras algas do meu nome e à beira do nome
pensas:
teria sido fogo, teria sido ouro e todavia é pó,
sepultada rosa do desejo, um homem entre as mágoas.
És o esplendor do dia,
os metais incandescentes de cada dia.
Deitas-te no azul onde te contemplo e deitada reconheces
o ardor das maçãs,
as claras noções do pecado.
Ouve a canção dos jovens amantes nas altas colinas dos
meus anos.
Quando me deixas, o sol encerra as suas pérolas, os
rituais que previ.
Uma colmeia explode no sonho, as palmeiras estão em
ti e inclinam-se.
Bebo, na clausura das tuas fontes, uma sede antiquíssima.
Doce e cruel é setembro.
Dolorosamente cego, fechado sobre a tua boca.


José Agostinho Baptista
Paixão e Cinzas (1992)
In Biografia Lisboa, Assírio & Alvim, 2000 



Sobre o autor:  http://www.jabaptista.com/



A próxima palavra: TERRA

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Poemário


Inauguramos o nosso poemário com um belíssimo poema de Eugénio de Andrade, trazido pela Ângela Barros,  e que mereceu a escolha da maioria da turma.



                                                     Adeus

 Já gastámos as palavras pela rua, meu amor,
e o que nos ficou não chega
para afastar o frio de quatro paredes.
Gastámos tudo menos o silêncio.
Gastámos os olhos com o sal das lágrimas,
gastámos as mãos à força de as apertarmos,
gastámos o relógio e as pedras das esquinas
em esperas inúteis.

Meto as mãos nas algibeiras e não encontro nada.
Antigamente tínhamos tanto para dar um ao outro;
era como se todas as coisas fossem minhas:
quanto mais te dava mais tinha para te dar.
Às vezes tu dizias: os teus olhos são peixes verdes.
E eu acreditava.
Acreditava,
porque ao teu lado
todas as coisas eram possíveis.

Mas isso era no tempo dos segredos,
era no tempo em que o teu corpo era um aquário,
era no tempo em que os meus olhos
eram realmente peixes verdes.
Hoje são apenas os meus olhos.
É pouco mas é verdade,
uns olhos como todos os outros.

Já gastámos as palavras.
Quando agora digo: meu amor,
já não se passa absolutamente nada.
E no entanto, antes das palavras gastas,
tenho a certeza
de que todas as coisas estremeciam
só de murmurar o teu nome
no silêncio do meu coração.

Não temos já nada para dar.
Dentro de ti
não há nada que me peça água.
O passado é inútil como um trapo.
E já te disse: as palavras estão gastas.

Adeus.


Eugénio de Andrade



O palavra da próxima semana: FOGO.

sexta-feira, 15 de outubro de 2010

Poemário



A partir da próxima semana, todas as semanas, teremos um poema eleito na turma.

Em cada semana haverá uma "palavra chave" e cada um procurará um poema em que essa palavra apareça.

Na aula, apresentá-lo-á e será escolhido, por todos, o "poema predilecto" dessa semana - será esse o poema do nosso poemário semanal.

A primeira palavra: Água.