Leitura da imagem:
Conservo esta
pintura, há alguns anos, na porta do meu
quarto. Algo me fascina nela e sou tomada por memórias que me constituem e vão
provocando aquela nostalgia tranquilizante de um passado vivido.
Na imagem, podemos observar, em primeiro plano,
uma rapariga, nos seus anos de inocência, de vestido roxo, com o seu cabelo a
esvoaçar. O dia está ventoso, o céu nublado, as andorinhas voam em bando e o
mar parece revoltado. Os tons da duna, que, perto da rapariga, são claros, parecem
cada vez mais assombrados, à medida que se aproximam do mar, algo desconhecido
e assustador.
Na realidade, este quadro poderá ser
entendido como o decorrer da vida, a qual vai perdendo a jovialidade e vai sendo
desgastada pela saudade. Aproximamo-nos de algo, tal como esta rapariga, não se
sabe bem do quê nem qual a sua profundidade,
mas, mesmo sendo incógnita, somos obrigados a isso, devido ao tempo, ele que é
fugaz e que passa por nós como aquele vento que se sente a bater nos cabelos,
mas que até sabe bem e parece inofensivo. Estamos todos sujeitos à inexorabilidade
do tempo.
Recriação Textual:
Sento-me nesta poltrona e observo
estas ruas vazias, cheias de gente tão oca e tão monótona, que nada preenche.
Observo as crianças em balbúrdias, nos becos onde os perversos se alojam e onde
mulheres vendem o que se usa para encadernar a alma. Entristeço-me com o que
vejo e penduro os meus pensamentos lá em cima, no topo de tudo, deambulando
pelos corredores de um passado, de há segundos atrás, onde o relógio corria.
“Reza a nossa senhora, menina”, dizia-me a
avó. Por onde andará ela agora? Lembro-me daqueles dias em que a via em redor
da linha e da agulha, com a expressão de quem tudo serviu de bandeja à própria
vida e nada recebeu, a não ser as costuras pregadas no rosto. Lembro-me das
tardes em que ficava na rua… A chuva e as horas passavam por mim, sem eu dar
por isso, ofuscada só com o que via e sentia (não pela obrigação de sentir), e onde
o frio não gelava e os olhares possuíam mistério… Ali, não era um mero corpo
ambulante e o ter de acordar, vestir e ainda pôr roupa no que era não provocava
este desassossego. Vejo agora que todo aquele fervor, o que tinha e o que
tentava ser era tão pequeno quanto eu e tão insignificante aos olhos de quem
nunca soube da minha existência … Ninguém devia perder a inocência de toda a
“desinocência” em que vive ou, ainda, viver na triste angústia de ter que
abandonar, evoluir, criar e fazer disto algo bom e maior e melhor!
Os silêncios tornaram-se ensurdecedores e os
segundos passaram a ser contados. Dirijo-me agora ao mundo com o olhar de
alguém que se conformou, ao ser obrigada a estar nesta poltrona, acorrentada a
esta vida, agora autista, monótona e nauseabunda, que apodreceu e vai sendo
devorada por seres necrófilos da memória. É aqui, neste patamar onde outrora
sonhava, que relembro o amor sentido pelo mundo e por aqueles que se atreviam a
chegar e, num ápice, fazerem as drogas da vida surtirem o seu efeito e prolongarem
o tempo… Este tempo que corrói, provoca saudade e faz o meu relógio do peito
parar.
Beatriz Fernandes, 12º D
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