segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

Poema do Menino Jesus


http://users.isr.ist.utl.pt/~cfb/VdS/v020.txt (poema completo)

(…)
Tinha fugido do céu.
Era nosso demais para fingir
De segunda pessoa da Trindade.
No céu tudo era falso, tudo em desacordo
Com flores e árvores e pedras.
No céu tinha que estar sempre sério
E de vez em quando de se tornar outra vez homem
E subir para a cruz, e estar sempre a morrer
Com uma coroa toda à roda de espinhos
E os pés espetados por um prego com cabeça,
E até com um trapo à roda da cintura
Como os pretos nas ilustrações.
Nem sequer o deixavam ter pai e mãe
Como as outras crianças.
O seu pai era duas pessoas -
Um velho chamado José, que era carpinteiro,
E que não era pai dele;
E o outro pai era uma pomba estúpida,
A única pomba feia do mundo
Porque nem era do mundo nem era pomba.
E a sua mãe não tinha amado antes de o ter.
Não era mulher: era uma mala
Em que ele tinha vindo do céu.
E queriam que ele, que só nascera da mãe,
E que nunca tivera pai para amar com respeito,
Pregasse a bondade e a justiça!

Um dia que Deus estava a dormir
E o Espírito Santo andava a voar,
Ele foi à caixa dos milagres e roubou três.
Com o primeiro fez que ninguém soubesse que ele tinha fugido.
Com o segundo criou-se eternamente humano e menino.
Com o terceiro criou um Cristo eternamente na cruz
E deixou-o pregado na cruz que há no céu
E serve de modelo às outras.
Depois fugiu para o Sol
E desceu no primeiro raio que apanhou.
Hoje vive na minha aldeia comigo.
É uma criança bonita de riso e natural.
Limpa o nariz ao braço direito,
Chapinha nas poças de água,
Colhe as flores e gosta delas e esquece-as.
Atira pedras aos burros,
Rouba a fruta dos pomares
E foge a chorar e a gritar dos cães.
E, porque sabe que elas não gostam
E que toda a gente acha graça,
Corre atrás das raparigas
Que vão em ranchos pelas estradas
Com as bilhas às cabeças
E levanta-lhes as saias.
(…)
Esta é a história do meu Menino Jesus.
Por que razão que se perceba
Não há-de ser ela mais verdadeira
Que tudo quanto os filósofos pensam
E tudo quanto as religiões ensinam?

Alberto Caeiro



Considero-me deveras pecadora, primeiro porque odeio a religião católica, segundo porque cometo pecados, como a preguiça, e terceiro porque por ter preguiça iria deixar passar este poema sem o ler…
Como pecadora que sou quando olhei este poema tive desde logo preguiça, como era muito extenso fechei o documento e abri um outro, contudo não poderia deixar de reter o título: “Poema do menino Jesus”.
Cerrada na minha ignorância não me ocorreu logo que Alberto Caeiro era um poeta antimetafísico, antifilofia e pagão e pensei então que se tratava de mais um poema a enaltecer a religião e a sagrada história de como foi concebido o menino Jesus…Como hereges que sou o título ainda me fez repudiar mais o poema.
Até que me ocorreu que tal poesia não ia de encontro ao que tinha estudado acerca do poeta, era incoerente que ele tivesse escrito um poema deste tipo.
Voltei atrás, apressei-me a ler e foi então que descobri a mais fiel, mais bonita e natural descrição do menino Jesus que até hoje ouvi…
Este poema encantou-me!
A simplicidade com que Caeiro descreve um menino normal e a ousadia com que lhe chama de menino Jesus, humanizando o divino absoluto, é simplesmente perfeita. Aliás, também a forma como descreve todos os outros elementos do divino com comportamentos similares aos dos restantes comuns, como a virgem Maria a fazer meia, reduzindo assim o Céu à Terra e elevando a Terra ao Céu, tudo isto é de um mérito inigualável só concretizado pelo grande Pã.
Então, pecadora? Religiões? Filosofias? Entender o mundo?
O essencial é saber ver o Mundo sensível onde se revela o divino…
“As coisas não têm significado: têm existência.”

Eva Castanheira, 12ºF

[texto por editar pela professora]

1 comentário:

Anónimo disse...

muito bem amor
ainda tu dizes que esta tudo mal
esta muito bem parabéns
bju <3