Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.
E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil,
Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita,
Indesculpavelmente sujo,
Eu, que tantas vezes não tenho tido paciência para tomar banho,
Eu que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo,
Que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das etiquetas,
Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante,
Que tenho sofrido enxovalhos e calado,
Que quando não tenho calado, tenho sido mais ridículo ainda;
Eu, que tenho sido cómico criadas de hotel,
Eu, que tenho sentido o piscar de olhos dos moços de fretes,
Eu que tenho feito vergonhas financeiras, pedido emprestado sem pagar,
Eu, que, quando a hora do soco surgiu, me tenho agachado,
Para fora da possiblidade do soco;
Eu que tenho sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas,
Eu que verifico que não tenho par nisto neste mundo.
Toda a gente que eu conheço e que fala comigo,
Nunca teve um acto ridículo, nunca sofreu um enxovalho,
Nunca foi senão - princípe - todos eles princípes - na vida...
Quem me dera ouvir de alguém a voz humana,
Quem confessasse não um pecado, mas uma infâmia;
Que, contasse, não uma violência, mas uma cobardia!
Não, são todos o Ideal, se os oiço e me falam.
Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil?
Ó princípes, meus irmãos,
Arre, estou farto de semideuses!
Onde há gente no mundo?
Então só eu que é vil e erróneo nesta terra?
Poderão as mulheres não os terem amado,
Podem ter sido traídos - mas ridículos nunca!
E eu, que tenho sido ridículo sem ter sido traído,
Como posso eu falar com os meus superiores sem titubear?
Eu, que tenho sido vil, literalmente vil,
Vil no sentido mesquinho e infame da vileza.
Álvaro de Campos
Bastou-me ler os dois primeiros versos para o escolher. Gostei logo desta primeira confissão. Daí para a frente foi só deparar-me com uma realidade muito actual.
Álvaro de Campos sentia-se sozinho, achava-se muito diferente em relação ao homem comum e, demonstrou-o aqui, radicalmente.
Começo por referir que errar é o que de mais humano há. O problema é que nem todos pensamos assim e então fingimos que fazemos tudo bem, que somos muito inocentes e que somos perfeitos. Mas não existe perfeição, portanto não devíamos ter medo de admitir que erramos, que fazemos asneiras. Quantas vezes acontece de estragarmos algo quando ninguém está a ver e então voltamos a pôr tudo no seu devido lugar, na esperança de que as culpas não recaiam sobre nós?! Também já me aconteceu a mim.
É triste pensar que somos o que de mais vil há e que só os outros são príncipes. Mas para quem ainda pensa assim, é importante referir que há alturas para tudo. Há uma altura em que somos príncipes, uma altura em que somos insignificantes, uma altura em que somos reles, uma altura em que somos hipócritas, outra em que negamos a hipocrisia e passamos a ser verdadeiros. Depois, cada um escolhe como quer ser, como quer ficar.
Aprecio imenso a verdade, e como tal gostei do facto de Campos ter admitido todos os seus problemas, toda a sua sujidade. Nem todos temos coragem para admitir que burlamos os outros, que somos ridículos. Mas mesmo assim ele fá-lo e apela a que os outros o façam.
"Quem me dera ouvir de alguém a voz humana" diz ele. Esta voz humana ainda é pouco recorrente. É pena. Neste poema, Álvaro de Campos, ironicamente, passa a ser superior pois é o único capaz de se mostrar vil e erróneo, sem titubear.
Acabo agora com a moral, não da história, mas sim do poema: "Os pobres da humanidade não são quem erra, mas quem não tem coragem para admitir que errou!".
Sara Vila-Chã 12ºC
[texto ainda por editar, pela professora]
Sem comentários:
Enviar um comentário