domingo, 25 de março de 2007

Super Homem


O Perfume

Obra revelada ao mundo em 1985 num jornal alemão escrito por Patrick Süskind. Genericamente falando, o livro retrata a vida de um homem, Jean-Baptiste Grenouille, que nasceu sem cheiro e com um sentido de olfacto mais apurado que qualquer homem ou animal à face da terra…

O livro descreve as peripécias da personagem desde infante até ao momento da sua morte, numa noite fatídica, em Paris, local onde nasceu e só voltou para morrer, após ter cometido vinte e seis homicídios, ter sido cobaia numa experiência com o propósito de mostrar que a terra é venenosa, criado um perfume e ter escapado à pena de morte no dia da execução.

Algumas personagens:

Padre Terrier: O primeiro a odiar verdadeiramente Grenouille, foi o primeiro a defender esta aparentemente inocente criatura quando este era bebé, mas acabou por ser exemplo da máxima francesa: “C’est du bon Vin qui se fait le plus fort vinaigre” é do melhor vinho que se faz o vinagre mais forte. Assim, Grenouille provou, pela primeira vez, o intrigante sentimento de ódio, não desdém ou indiferença, não raiva ou ciúme, mas sim ódio, por parte daquele que primeiro se preocupou em amá-lo como ser puro que a priori seria de esperar que fosse.

Madame Gaillard: Carcaça robusta, insípida e sem qualquer réstia de humanidade além daquela que a cara comprovava. Foi dela que Grenouille sentiu a mesma atenção que os outros órfãos na casa desta ama recebiam. Grenouille foi homem como os outros, apenas aos olhos de Madame Gaillard, muito provavelmente pela incapacidade desta sentir odores, o que fez com que não notasse que Jean-Baptiste não possuía um.

Jean-Baptiste Grenouille: Se o grande Feodor M. Dostoievsky fosse contemporâneo de Patrick Süskind teria, sem dúvida, admirado esta personagem como o derradeiro Super-Homem.

Dostoievsky comparava, na sua excepcional obra “Crime e Castigo”, Raskalnikov, a personagem do livro, aspirante a Super-Homem, a Napoleão Bonaparte, sendo este, a seu ver, o melhor exemplo de Super-Homem descrito nos tecidos da musa Clio. Super-Homem será aquele que, provido de uma vontade superior, atinge o patamar máximo da evolução possível a um indivíduo, aquele que se rege apenas pelo seu desejo e luta incessantemente pelos seus objectivos, seguindo nenhuma ambição que não a sua. Bonaparte era o melhor exemplo, pois só se vergou perante poderosos Impérios, enquanto que Grenouille, bem, já lá chego…

Ao contrário do que possa parecer, este livro não trata, nem retrata qualquer tragédia, mas sim a grandiosidade pessoal de quem, para os outros, seria indubitavelmente medíocre até morrer em qualquer canto onde nem a luz do sol chega.

Mesmo enquanto escrevo isto, a grandiosidade desta obra é-me completamente arrebatadora, mesmo que só réstias da sua imponência ainda pairem na minha falível memória. Esta é a derradeira alegoria de como a vida do Super-Homem, segundo Dostoievsky e Nietzsche deve ser vivida, e em alguns pontos da sua odisseia pessoal, Grenouille quase que suplanta as expectativas destes no que diz respeito ao abismo que separa o Super-Homem da Humanidade. Enquanto que Napoleão nunca atingiu o estatuto consagrado, pois se infectou conscientemente com a humanidade aquando do casamento com Josefina e a consequente procriação, Grenouille foi sempre puro, mesmo no seu ponto mais baixo, daquilo que se possa parecer a dignidade humana, mesmo quando dependia e foi submisso a homens cuja grandiosidade não fazia sombra a um escarro seu, Grenouille agiu conforme os seus propósitos, descartando-se dos desgraçados que ousavam usufruir da sua pessoa no momento em que findasse a sua utilidade.

Todas as jovens, desd’aquela na Rua Marais, quando Grenouille tinha apenas quinze anos, até a Laure Richis, foram peões insignificantes imolados em holocausto, não, não a uma divindade, mas para fins divinos, o que me obriga a aceitar que sejam tratadas como vítimas, mas nunca como perdas. Grenouille foi mais que divino, ao contrário de deus, que cria do nada moldando o ser a seu bel-prazer, Grenouille pegou numa ínfima porção da totalidade das cachopas e tornou-a maior do que elas poderiam alguma vez ser, é como se ele tivesse sacrificado vinte e cinco pétalas de rosas com o propósito de lhes extrair a verdadeira essência da rosa, essência essa maior em qualidade e importância que todas as rosas.

O morticínio que antecede a criação do perfume é tão facilmente desculpável que até eu, que me considero pouco macabro e bastante normal nestes assuntos mortiços, encontro uma enorme dificuldade em chamar Grenouille de assassino.

É impossível falar da moralidade das suas acções, sem antes perceber o seu mundo. Grenouille habita um mundo etéreo onde tudo se define pela alma, e a alma de tudo é o cheiro. Considerando isto, é tão condenável o sacrifício das jovens como para nós é condenável consumir apenas o miolo de qualquer fruto seco. Grenouille, sufocando a jovem da Rua Marais, apenas se livrou da casca para saborear plenamente a deliciosa noz que é seu cheiro.

Mesmo sem recorrer a este pensamento, consigo perdoar os actos de Grenouille. Voltando à obra de Dostoievsky, quando Raskalnikov se encontra no momento de reflexão da legitimidade do assassínio da velha penhorista pergunta-se: “Será que se Napoleão se encontrasse afastado dos seus objectivos apenas pela vida desta velha, hesitaria em matá-la???” a resposta era um estrondoso “não”. Assim, Grenouille tinha entre si e a criação do super-cheiro, o odor ao qual todos os odores convergem e sem o qual nenhum odor faz sentido, vinte e cinco vidas, condenadas a levar para a cova sombras e vestígios da grandiosidade que em tempos detinham e nunca usaram, devido, provavelmente, à incapacidade de se aperceberem que encerravam em si tal riqueza.

A magnitude desta escolha, e contudo, a facilidade com que se decide… Ser maior que Prometeu ou resignar-se à insignificância inerente a quem se rege pelas leis e morais da mortal e debochada Humanidade…

Grenouille escolheu a via prometeica, abalando os alicerces do mundo após se ter servido de um pouquinho de humanidade, atingindo assim o estatuto irrefutável do Super-Homem, aquele que viveu com um propósito e morreu após cumprido, a vida perfeita. Nem o nascimento atroz, nem as tentativas de homicídio das quais foi vítima enquanto criança, nem a esplenite, nem os sete anos de solidão, nem o trauma de não possuir o único elemento que tinha como válido, o odor, nem as batalhas dos Titãs que acabaram nos portões de Tártaro, nem a morte do Messias, nem a peste negra, nada, mas absolutamente nada, se iguala em grandiosidade ao facto de Grenouille ter sido Todo na sua curta vida.

Não ponho por palavras o amargo ciúme que me consome face à vida dele, porque tal me parece impossível.

Resumindo, esta é a obra que retrata um homem que viveu para um só fim e se extinguiu recorrendo a ele… Perfeito…

Bruno Senra, 10ºG

2 comentários:

Fátima Inácio Gomes disse...

ABSOLUTAMENTE BRILHANTE!!!!!

A relação que fazes com outras obras, o modo como procuras encontrar o super-homem nietchniano nessa conturbada e profunda personalidade do Grenouille. Muito, muito obrigada!
PARABÉNS!!! Foi uma delícia ler-te.

Scorpionster disse...

:-D


isto é só metade... comecei a divagar sobre a vida do moço e nisto tinha mais duas páginas... fico contente que tenha gostado, tive horários idênticos aos seus durante a criação mas acho que valeu a pena... mais uns treininhos em construção de texto e era capaz de arranjar emprego...:-p