terça-feira, 26 de junho de 2007

Soneto de Contrição




Eu te amo, Maria, eu te amo tanto
Que o meu peito me dói como em doença
E
quanto mais me seja a dor intensa
Mais cresce na minha alma teu encanto.

Como a criança que vagueia o canto
Ante o mistério da amplidão suspensa
Meu coração é um vago de acalanto
Berçando versos de saudade imensa.

Não é maior o coração que a alma
Nem melhor a presença que a saudade
Só te amar é divino, e sentir calma...

E é uma calma tão feita de humildade
Que tão mais te soubesse pertencida
Menos seria eterno em tua vida.

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Este soneto foi escrito por um individuo que morreu há 27anos com 77 na altura… Vinicios Moraes, estudante graduado de Direito no Rio de Janeiro e de Literatura em Oxford. Mas isso foi-me completamente indiferente aquando da escolha desta obra de sintetizada grandeza colossal.

A primeira coisa que me veio à cabeça depois de o ter lido foi…maracujá… isto porque o nome que os ingleses deram a esta fruta, e a razão pela qual o fizeram, caracteriza perfeitamente a mecânica da alma do eu poético aquando da consumação da obra…

E voltando ao maracujá, “passion fruit”… isto porquê”???” perguntam-se, seguramente… Simples, é agridoce, tem um travo divinal a frescura e liberdade, mas com o preço de ser amargo ao ponto de nos deturpar as feições… Fruta da Paixão, traduzindo à letra… Isto porque, pelo que eu percebo de inglês, o termo “Passion”, normalmente traduzido simplesmente como “paixão”, não tem uma dimensão tão dramaticamente romântica como no congénere lusitano. Passion, é fazer ou viver algo com uma ardência desmesurada, quer seja a subida ao céu ou permanência no inferno, o que interessa é que o universo saiba que uma ínfima parte do seu todo acabou de mostrar a razão pela qual a miscelânea de energia que lhe deu origem fez tal coisa…Agir “a”passion”adamente” é a derradeira prova que podemos dar ao mundo que, de facto, merecemos a matéria que nos compõe…

Voltando ao belíssimo "Soneto da Contrição", o excerto que reflecte exactamente isto é, e passo a citar:

” Não é maior o coração que a alma
Nem melhor a presença que a saudade
Só te amar é divino(…)”

Não interessa porquê…
Não interessa como…

É totalmente indiferente ao pobre mortal que, felizardamente por isto, passa retirar prazer ou colher desventura…

O que interessa é sentir, poder dizer face a um sorriso de deleite ou chaga incandescente: “raios, sei que estou vivo…”.



Bruno Senra

Nº3
10ºG

5 comentários:

Scorpionster disse...

eu sei que isto num é uma analise por aí além mas se bem me lembro a s'tora tinha dito para por um poema, vá lá vá lá, girinho... e explicar porquê... pronto... foi isto que me extaseou... pronto... fica a intenção e aguardo diferimento...

Cláudia Amorim disse...

deslumbras-me sempre com as tuas comparações.
é um prazer ler-te
obrigado :)

Scorpionster disse...

:-)

Fátima Inácio Gomes disse...

Maravilhosa análise, Bruno! De facto!... terás de ler o Eugénio de Andrade, com o seu poema aos frutos (e tantos que ele tem!...) para encontrares uma alma gémea! Foi brilhante e imprevista, deliciosa, essa tua relação ao maracujá! Adorei! ;)

Cláudia Amorim disse...

Frutos

Pêssegos, peras, laranjas,
morangos, cerejas, figos,
maçãs, melão, melancia,
ó música de meus sentidos,
pura delícia da língua;
deixai-me agora falar
do fruto que me fascina,
pelo sabor, pela cor,
pelo aroma das sílabas;
tangerina, tangerina.

Eugénio de Andrade

:)