sábado, 23 de maio de 2009

Era uma vez...


Ele chama-se Pantufa, ela chama-se Estrela e esta é a história de ambos, se de amor, talvez no final saibamos, ou talvez não. E se ainda apenas uma linha leu e já considera o autor da mesma ligeiramente descompensado, e o tema da história ridículo, talvez não esteja de todo longe da verdade.

De facto, ele é preto e branco, uma fofa bola redonda de um longo pêlo que faz a delícia dos ásperos dedos calvos que ousem sobre o mesmo deslizar. Corpo robusto, imponente estrutura alargada por uma induzida esterilidade, se muitos assusta num primeiro vislumbre, todos enternece quando olhando mais atentamente lhe apreciam a cabecinha suspensa como uma pena que ondula para cada um dos lados, iluminada pelo meigo brilho dos vivos olhos cor de mel, que parecem implorar por uma mão (ou perna, pé…) acariciadora. E se se atrever a fazê-lo, o num simples toque da ponta do dedo basta para que aquele enorme castelo de pêlo se desmorone e rebole no chão para um lado e para o outro, com as patinhas dobradas e a cauda em movimento, qual espanador dançante, ao som dum ronronar desesperado por mimo. Os longos bigodes arqueados parecem aguçadas lanças que partem dum triângulo da mesma cor de neve estampado na fronte, brancura apenas tingida pela “mosca” preta que se destaca do lado esquerdo do queixo.
Por seu lado, ela cobre-se de um manto de seda cinza que lhe cobre o corpo branco. As meias também brancas que traz calçadas nunca se sujam, curioso caso (nunca reparei que as trocasse, talvez ande distraída). E envolta numa elegância real, esta pequenina princesa passeia em harmónica coordenação todo o seu corpo, delicadas patinhas que parecem nem tocar o chão, como se todo o corpo estivesse suspenso pelo hipnotizante ondular da sua fina cauda. E se a sua elegante serenidade for estímulo para uma tentativa de aproximação, o melhor é ter cuidado, repensar a estratégia, ponderar a abordagem, porque esta princesinha não mostrará toda a sua eterna meiguice por ser essa a vontade do curioso, mas apenas por ser essa a sua vontade, independentemente da do curioso. E não faltarão as ágeis garras e afiados dentes que sua majestade não receará usar sempre que a real vontade não for respeitada.
E aqui estão ambos, ele abraçando-a carinhosamente, ela deixando-se abraçar com calma satisfação. Assim passam o seu tempo, um no outro, de tal forma unidos que, não fossem as visíveis diferenças de aspecto, seriam indistinguíveis fim e princípio de um e de outro, tal é a complementaridade. Quando ela acorda com o pesado gemer do sono dele, logo carícias tratam de compensar o sucedido, com as patas dele envolvendo-a e segurando-lhe o pescocinho, onde deposita doces beijos ternos. Ela adormece nos braços dele e tudo fica como antes, numa paz celestial que até os anjos, se existem, invejam. No passado ficaram seis filhos que a consanguinidade destes dois irmãos não impediu que nascessem de uma beleza rara, quase divina.

Se é amor ou qualquer espécie de carinho o que os une, não sei. Se de raciocínio carecem, e mesmo puramente animais continuam ele e ela, juntos, não por ímpeto sexual dada a incapacidade dele, mas por puro bem-estar e prazer afável de se sentirem um perto do outro, protegidos, acariciados, sem que de isso se apercebam ou sequer venham a ter consciência. Mas que é então o amor, senão uma entrega total em que dois se tornam um, sem que importe a consciência disso, mas apenas o bem-estar, a segurança sentida pelo encontro de ambos? De facto, não importa saber se é amor, importa que se ame e que se sinta isso, sem a necessidade de o saber explicar, mas reconhecendo-o sempre pela autenticidade da sua natureza…
E amem-se ou não estes dois, esta é a sua história. Este de preto e branco é o Pantufa, esta de cinzento é a Estrela. Amantes ou não, que importa? Pudessem todos os amantes permanecer como eles, um nos braços do outro, sem o tempo, sem o mundo, sem nada, com tudo… um com o outro, que é o bastante para que as almas sobrevivam.



Catarina Gonçalves, 12ºC

15 comentários:

Boni disse...

Coitadinho do Pantufa
:P

Anónimo disse...

isso é tudo muito bonito mas a verdade é que eles vivem uma relaçao incestuosa!!... =D...
este texto faz.m lembrar o Carlos e a Maria "d'OS MAIAS"..=P...só que o raio dos gatos como são irracionais continuam o seu namorico felizes da vida

Catarina disse...

acho que o Carlos e a Maria Eduarda "teriam gostado" de ser gatos...
dava-lhes mais jeito, digo eu
:p

Fátima Inácio Gomes disse...

Grande momento de intertextualidade aqui do Sá. Bravo!!! Estes meninos são o meu orgulho! :')
(Mas esqueces-te, Sá, que a Catarina fala de "incapacidade" do Pantufa... tadito. O Boni percebeu logo)

Pois bem, Catarina. Está lindo o teu texto. Um Baltasar e Blimunda versão felina.
Entendo que esta afirmação é escrita à luz dos protagonistas: "Mas que é então o amor, senão uma entrega total em que dois se tornam um, sem que importe a consciência disso, mas apenas o bem-estar, a segurança sentida pelo encontro de ambos?".
De outro modo, teria de acrescentar que todas as tuas palavras são justas, excepto na questão da importância do ter "consciência disso" - nos humanos é, precisamente, o ter consciência "disso" que torna tudo mais belo e mais verdadeiro.
:)

Catarina disse...

Sim, referia-me aos meninos da foto...
É claro que sem a consciência, sem o que fica guardado depois do conjunto dos vários momentos mais ou menos espontâneos, de pura cumplicidade, que vão construindo o verdadeiro sentimento (...), de nada serviria vivê-los...
Penso que o ideal será mais uma interacção entre ambos in/consciente, sem que um atropele o outro...andando quase de mão dada, aproveitando o que um tem de melhor...

(e é quando "sabe" melhor, quando é completo e nos completa..e aí apetece ficar como os meus dois pequenos, na "inconsciência" do RESTO apenas...)
:)

Catarina disse...

Já agora, só para esclarecer melhor a questão, neste momento a relação dos pequenotes não é incestuosa, dada a incapacidade do pantufa...Mas já foi...
E por minha vontade não teria deixado de ser... (mas a produzir aos seis de cada vez, não havia boa alma que estivesse pela conta de tanta despesa... não me refiro a mim, claro, pois só ter miniaturas destes dois a passear pela casa era o bastante para esquecer despesas e companhia...)

:D

Fátima Inácio Gomes disse...

O teu parênteses final, o das 18:10, é delicioso, Catarina.Esse é o segredo ;-)

Sá disse...

eu sei que o bicho está inCAPAcitaDO.. de fazer certas coisas.
olha eu louvo é a estrela, pois são poucas as senhoras que vendo o seu marido "incapaz" e gordo continuam ao seu lado...à pois é

Boni disse...

Eu acho que os gatos, mesmo sendo irracionais, devem saber que têm uma dona babadinha a olhar para eles...gostavas que tu e o Sá enquanto estão abraçados, gostavas que tivesse sempre a tua mãezinha sempre a "babar"?
Estou a brincar ;P
Olha, se o Pantufa estivesse no "activo", aí teria pena da Estrelinha pois um gato daquele tamanho deve ser obra =D

Catarina disse...

era à meia-dúzia de cada vez...
:D

Sá disse...

=D...o gato se estivesse no "activo" morria com um AVC (Acidente Vascular Cerebral) xP xP xP

Anónimo disse...

Sem margem de dúvida um texto deveras fenomenal...a forma como descreves cada traço dessas bolinhas de pêlo é espetacular...Até parece grande antes de lê-lo, mas no fim de o ler deixa a sensação de ser pequeninho...xD


Ass. Marcelo...

Catarina disse...

Obrigada Marcelo ;)

Boni disse...

acho que o Sá faz bem em distinguir os AVC's!
xD

Sá disse...

pois, como diz a minha avó 'mais vale prevenir que remediar' e eu quis deixar bem patente de que tipo de AVC estava a falar xD