Poderia ter escolhido uma imagem muito harmoniosa como uma paisagem, um animal, ou possivelmente, uma imagem humorista, ou até uma fotografia de um momento da minha vida que quisesse partilhar convosco, mas nenhuma dessas imagens conseguiria fazer vibrar aquele tal nervo mais recatado ao qual a professora se referiu.
Admito que me senti um pouco impotente perante esta proposta, o facto deste tema ser tão livre dificultou-me a vida e nenhuma imagem em concreto conseguiu despertar em mim aquele bichinho, aquele que me faz satirizar e ter sempre algo a dizer.
Até que, de passagem num site, entre outras, encontrei esta imagem que figurava uma retrospectiva do ano 2008 em fotos.
Foi aí que o tal nervo deu sinais de vida e, desta forma, não poderia deixar passar em branco uma imagem como esta.
Na Fotografia é possível observar Fotógrafos a fotografarem um homem morto durante confrontos que, se supõe, estejam ligados às medidas ‘anti-violência’ em Reiger Park, África do Sul, em 20 de Maio de 2008.
Nesta tarde, a polícia Sul-Africana disparou balas de borracha sobre centenas de moradores de uma favela, na repressão contra a violência contra estrangeiros, que acabou por matar mais de 60 pessoas e ferindo outras centenas.
Francamente, não sei o que me choca mais, se o facto de saber que aquele cadáver resultou de um confronto entre a polícia e moradores estrangeiros numa favela por mera discriminação, se o facto de ver um cadáver sobre o chão, quase despido, todo sujo e abandonado, ou o facto de estarem vários fotógrafos à sua volta a fotografar, como se de um objecto se tratasse.
Julgar que o facto de o cadáver estar rodeado por fotógrafos é o que mais me aterroriza.
É simplesmente horrenda a forma como os meios de comunicação social aproveitam qualquer acontecimento para fazer notícia, perdendo assim, por várias vezes, a decência e a ética que deveria sempre acompanhar o seu trabalho.
Na imagem são visíveis, pelo menos, seis fotógrafos, e claro, cada um a tentar obter o melhor posicionamento visual para fotografar o cadáver de um homem baleado, abandonado no chão, sujo e quase despido, como se de um objecto se tratasse. É simplesmente inadmissível.
Não consigo compreender como se pode, assim, jogar com a dignidade de um homem morto.
Sinto ainda que o público, em grande parte das vezes, é o principal culpado no sucesso deste tipo de imagens, visto que as adquire.
Este é apenas um exemplo entre milhares, é apenas mais uma imagem onde a dignidade de um cadáver é rebaixada e utilizada para facturar.
Paula Fernandes 12ºF Nº14
2 comentários:
Paula Fernandes
Magnífica abordagem. As pessoas distinguem-se nos respectivos papéis: os promotores destas imagens e os consumidores. Os primeiros movem-se por um motivo fácil de entender. Quanto aos últimos, procura-se esmorecer o amor-próprio e o discernimento. Coisa que não aconteceu com a autora. No dia em que muitos olhos reconhecerem a mesma miséria, tais fotos desaparecem.
Gostei
Ah!... vês como o tal nervo existe?!?! e a sua existência diz tanto de ti quanto o teu pr+oprio discurso.
Tanto a imagem como o texto comungam do mesmo espírito. Era isso que se esperava. Bravo. E mais não comento, pois o António, do andar de cima, expressou muito do que eu própria senti. :)
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