Este é um espaço para os meus alunos de Português... os que o são, os que o foram... os alunos da Escola Secundária de Barcelos... (e seus amigos que, se "vierem por bem", serão muito bem recebidos!)... Poderá vir a ser um ponto de encontro, onde a palavra escrita imperará, em liberdade, criativamente, para além das limitações da sala de aula, porque acreditamos que escrever não é "um acto inútil"... inútil é calar.
segunda-feira, 2 de outubro de 2017
Manifestamente Contra
Tudo corria bem…
Enquanto o meu corpo repousava envolto em dois cobertores bem felpudos a proteger-me do frio da primeira manhã de outono, a minha mente tinha-me levado para uma floresta de animais fantásticos. À direita chamavam-me as cores exóticas das penas de um pavão que brilhavam sob os primeiros raios de luz da manhã. À esquerda surgia um simpático macaquinho que, do nada, salta para o meu ombro exigindo uma festinha sobre o seu pelo escuro, macio e ainda húmido do orvalho da manhã.
De repente, um som súbito e grotesco invade a floresta. Será um urso selvagem? Não, não parece… mas está a aproximar-se, cada vez mais alto e insuportável. Será um monstro? O início de uma guerra na floresta? Não! Acordo. Abro os olhos. É a barulhenta, chata, irritante, ridícula e perturbadora carrinha de propaganda eleitoral da junta de freguesia de Arcozelo! GRRHHH! PORRA! São nove da manhã e estou acordada porque estes idiotas decidiram que, num sábado de manhã, todos os novos, velhos, homens, mulheres, animais e plantas devem saber onde será o próximo ajuntamento de idiotas com discursos sem ideias, idiotas, para ganharem com a maior percentagem de idiotice!
Parabéns! Conseguiram! Estou mal disposta, chateada, estou com o toco!
Tudo corre mal…
Hoje sou do contra!
O grito da minha mãe irrompe pelo quarto: “Francisca, anda tomar o pequeno-almoço!”. Pronto, levanto-me com a esperança que o dia melhore. Mas não… o leite está demasiado quente e os cereais moles. A primeira fora a última colherada. Não como!
Hoje sou do contra!
O post-it amarelo no frigorífico lembra-me que tenho uma ficha de matemática para fazer. Vou para o meu quarto. Tiro da mochila o caderno, o livro, o porta-lápis, a calculadora e começo o primeiro exercício. Dedico cinco minutos do meu cérebro e já está! Pareceu fácil! Mas nada como ir às soluções confirmar… Está mal! Claro que está mal! Só podia estar mal…
Que se lixe a ficha! Amanhã logo se vê!
Hoje sou do contra!
É hora de almoço e a minha mãe decide que vamos almoçar no jardim a fim de “aproveitarmos este belo dia de outono”. Que ótima ideia! Correu lindamente…
Acabei o almoço com mais dez quilos da sobremesa e mais cem picadas dos mosquitos que não me largaram um único segundo.
Podem crer que não me apanham a almoçar no jardim tão cedo!
Hoje sou do contra!
Nada para fazer… porque não ver um filme? Depois de trinta minutos perdidos em zapping inútil, acabo a ouvir Eduardo Rêgo, a mítica voz do BBC Vida Selvagem. Sabiam que as cabras têm sotaques diferentes dependendo da região em que vivem? Sabiam que para produzir um quilo de carne são necessários quase quinze mil litros de água? Sabiam que, na natureza, os porcos poderiam viver até aos quinze anos de idade, mas que os leitõezinhos que tanto apreciam vivem menos de um mês? Está decidido! A partir de hoje sou vegetariana e contra qualquer forma de exploração animal!
Um aroma vindo da cozinha desperta-me o apetite:
- “Mãe, o que é o jantar?”- Pergunto faminta
.
- “Bife com ovo e batatas fritas. O teu prato favorito!”
OOF! Respiro… e uso a minha última gota de paciência para explicar aos meus pais a minha decisão. Depois de alguma discussão consigo acalmar os ânimos, mas não os ruídos vindos da minha barriga que arrancam da minha mãe um azedo: “Há sopa no frigorífico!”. THANK GOD! Pensava que era desta que morria de fome!
No entanto, esta ilusão desaparece com a primeira colherada. É sopa de beterraba! ODEIO BETERRABA!
PRUUMM! Bato a porta com toda a minha força! Odeio beterraba! Odeio bife! Odeio ovos!
Hoje sou do contra!
Refugio-me por baixo dos meus cobertores felpudos refletindo sobre o dia miserável…
Subitamente, por entre a escuridão, surge algo… o que será? Bem, só podia ser a traquina de sempre! A minha gatinha que, pata ante pata, conquista o seu lugar habitual, bem quentinho, entre os cobertores e lençóis.
E, a cada lambidela, a minha interminável indisposição vai-se dissipando, terminando num suspiro: “Bem, até que não foi um mau dia!”
Decididamente, hoje fui do contra!
Ana Francisca Teixeira Falcão , 12ºB
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