segunda-feira, 23 de junho de 2008

Pessoa...


Caeiro
























Gosto do ceu porque não creio que elle seja infinito

Que pode ter comigo o que não começa nem acaba?
Não creio no infinito, não creio na eternidade.
Creio que o espaço começa numa parte e numa parte acaba
E que agora e antes d'isso ha absolutamente nada.

Creio que o tempo tem um principio e tem um fim,
E que antes e depois d'isso não havia tempo.
Porque ha de ser isto falso? Falso é fallar de infinitos

Como se soubessemos o que são de os podermos entender.
Não: tudo é uma quantidade de cousas.
Tudo é definido, tudo é limitado, tudo é cousas.






[sem data, transcrito por Jerónimo Pizarro]

in
Publico

19 comentários:

Fátima Inácio Gomes disse...

Obrigada, Bruno!!! Belíssimo mote para arranque do período de férias escolares... em modo de aquecimento para o próximo ano lectivo...
Um inédito de Pessoa... como há tantos outros.

Quanto ao pensamento em si... para uns pode parecer claustrofóbico - ficar-se enclausurdo no momento, sem antes, sem depois... todo o peso de um minuto, de um segundo; para mim, é apaziguador, não a ponto de ser desresponsabilizador... não dar demasiada importância ao Mundo - ele tem a importância do momento que se vive... e que deve ser bem vivido.

* um apontamento:belíssima, belíssima imagem... creio que traduz, exactamente, aquilo que penso...

Scorpionster disse...

li um texto, não me lembro onde nem como se chamava, era uma espécie de sermão, no qual o orador dizia que se algo que nos atormenta está ao nosso alcance, não nos devemos preocupar, é remediável, e que se algo que nos atormenta nos ultrapassa, não nos devemos incomodar, tudo o que pode ser feito(nada) está feito...

julgo que com os "antes" e "depois" «disto» o autor pretende por de parte o que ultrapassa os parâmetros humanos de existência... infinitos, tanto tempo como espaciais, não nos dizem respeito pelo simples facto dele(autor), e nós(autores), não os podermos ter connosco...
Ao cortar-mos do universo tudo que ultrapasse o comprimento do nosso braço, atribuimos também um carácter omnipotente e omnipresente ao homem, dado que os seus horizontes são limitados pelo seu raio de acção, e no que diz respeito a si mesmo, e à sua vida, "there's no such thing as horizons"...

enfim...
acho que este poema é saudavelmente antropocêntrico...

Cláudia Amorim disse...

Afastem de mim o infinito e toda a sua carga de incomensurabilidade, de pansofia, e eu respirarei melhor. Viver sem o cheiro da imensidão, que alegria! Dá alívio à gente.
Ergam-se muros em forma de instantes, de momentos! A vida é fragmentos.
E comece a contagem do Tempo.
Já o Sol se põe, cansado do seu regozijo efémero, quando a sombra dos muros vem cobrir o vítreo Presente. Sempre sólido, sempre frágil.
É ao fugir da sombra que a filantropia, impregnada de ímpetos e emoções, se esmaga contra os muros que construiu. O terror que é ver um valor intrínseco consumado entre tabiques.
Deixem-me então a sós com as minhas quimeras que saltam vedações. Porque eu sou nada num abismo infindável, mas sem mim tudo sucumbe ao abismo.

Cláudia Amorim disse...

*Referias-te a este scorpionspter?
Ouviu-o há dias na antena2, com um delicioso sotaque transmontano. :p

Scorpionster disse...

era... há mais tempo que o que conheces.... nha nha nha nha nha =p ...

não há muros nem tabiques, não existem barreiras para as tuas quimeras transporem graciosamente, porque tudo o que interessa, logo para o autor existe, se encontra confinado ao todo do seu quintalejo...

Anónimo disse...

Dasss tu calas e comoves qqr fulano!!!

ainda tinha este site gravado nos favoritos. Parabéns pelo projecto!


vim aqui deixar-te um bjiinho,
ouvi dizer que andas tristinha moça?
ai! limpa-me mazé essa ranheta ó choramingona!

Cláudia Amorim disse...

*esfrega ozólhos*
ela anda muito tristeinha sim.
É tanta saudade! (em qdds inefáveis, sobre-humanas)
:'(

Bjs!

Cláudia Amorim disse...

@nem de propósito scorpionster, li isto ontem ;)

"No fim de tudo dormir
No fim de quê?
No fim do que tudo parece ser...,
Este pequeno universo provinciano entre os astros,
Esta aldeola do espaço,
E não só do espaço visível, mas até do espaço total.

Álvaro de Campos"


o autor transforma o sistema (parte do universo que se quer estudar) no próprio universo, no entanto mostra-se ciente da existência deste. E, como tu bem referiste, "tudo o que interessa se encontra confinado ao todo do seu quintalejo...".

Se leres mais fundo o que escrevi, perceberás que não rejeito de todo esta perspectiva, mas (na minha criancice de lunática) apraz-me a ideia dum pélago profundo e indomável que me transcende, me supera...hei-de por força vence-lo.

Cláudia Amorim disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Scorpionster disse...

ok...

Fátima Inácio Gomes disse...

Mas quem é a sra Esteves?!?!?!? sinto-me a leste... quanto ao textos aqui desenvolvidos... I'll be back... deixem-me respirar (e limpara a baba de tanto orgulho...)

Cláudia Amorim disse...

A Sra Esteves é uma amiga minha (não de leste, mas do oeste eheh)
veio mitrar...já lhe dei com o mata moscas :D

José Rui Rebelo disse...

Gosto da imensidão do mar, ver para além do olhar
Que pode ter comigo a efemeridade do que acaba?
Não creio no infinito, mas creio no eterno recomeço
Soçobrar no espaço mas invadir o tempo
Vencer a fugacidade na eternização do momento

Creio que do nada, nada se sustém
É na memória, na consciência, que o Tempo se retém

O Tempo, o Tempo, o conceito mais fugidio de todos. Como diz agostinho, se não penso nele eu sei o que é mas que logo desconheço ao pensar. É o agora que não é. A consciência chega sempre depois, fora do tempo.
Tudo é definido, diz o poeta; excepto o Tempo que não se deixa conhecer. Não falo do Tempo físico. Será que existe essa quarta dimensão? Continuaria a fluir se nada mais houvesse? Falo do Tempo reflexo. O Tempo de consciência. O Tempo da memória, da espera e da atenção, voltando a Agostinho. A memória do que já foi; a espera do que será; a atenção ao momento. Se o Tempo físico nada mais é que uma sucessão de eventos (é sempre um instante de vida prematuro), é a reflexão que o eterniza na consciência, que contraria a sua irreversibilidade. O Tempo de consciência não será, como Platão pensava, a imagem móvel da eternidade; não é também o fluir irremediável. É o justo anulamento (expressão feliz que não me pertence), a estrada que sempre começa. Então, se pensarmos num Tempo que se sincroniza entre consciências, creio que essa sincronia faria justiça à bela frase de Proust “apreender um pouco de tempo em estado puro”. Na verdade, seria mais uma anacronia: um tempo fora do Tempo. Ricoeur exprimiu uma ideia próxima na expressão soi-même comme un autre. Os psicólogos falariam no estado de fluxo. É o momento que se eterniza na consciência quando todos os sentidos confluem.
Tudo é cousas, mas serão as cousas tudo? Sabemos que o todo nunca se restringe à soma das partes. Não falo de um tempo absoluto, sabemos com Einstein que o Tempo é relativo ao observador. Falo sim do observador. Tudo depende dele. Sei-o agora mais do que nunca. Outros o saberão também. A memória dos afectos, o desejo de eternidade, a inocência…Não é a poesia que fala no puer aeternus? Parece-me, Cláudia, que os teus momentos nada seriam de outro modo. Esses momentos são expressão de um presente temporal, enquanto presença de um passado que se evoca, que se deseja presente, e um futuro que se antecipa. Só assim se compreenderia a expressão “perder tempo”, o fazer coisas sem valor, indignas do “tempo da alma”.

Fátima Inácio Gomes disse...

Para os mais distraídos, devo dizer que o José... é o José Rui Rebelo... creio que os seus discípulos o terão reconhecido nas entrelinhas :D

@ Bruno: "Ao cortarmos do universo tudo que ultrapasse o comprimento do nosso braço, atribuimos também um carácter omnipotente e omnipresente ao homem, dado que os seus horizontes são limitados pelo seu raio de acção, e no que diz respeito a si mesmo, e à sua vida, "there's no such thing as horizons"..." - poderoso este pensamento! Reconfortante! Cada vez mais creio nisso, embora me veja sempre impelida a reflectir sobre as frontiras entre esse antropocentrismo e o... egoismo. (eu e as fronteiras... esse frágil limiar que marca a diferença sempre me seduziu)

@ Cláudia... "sem muros era a terra, e tudo ardia" dizia o Eugénio de Andrade na Anunciação da Alegria. Lê o Quarto Azul, de Baudelaire (encontrarás na net)... a tua escrita continua bela.

@ Sr professor Rui :D "Tudo é cousas, mas serão as cousas tudo?"... não o serão, com certeza. Há enormidades que nada são frente à nossa pequena construção interior. Onde vivo se não em Mim?
O efémero... tudo é efémero e esse é o potencial que devemos retirar da vida... morrer para nascer de novo, como dizia o Gomes Ferreira naquele poema que tanto amo "Viver sempre também cansa". Nunca temar o efémero... talvez só assim a vida se eternize.

Tenho algo escrito sobre o Tempo... o meu fardo cruel. Talvez o coloque aqui...

Scorpionster disse...

antes de mais... egoísmo, não passei muito tempo a pensar nisto, mas julgo-me bastante egoísta, dois dos meus maiores motores são o prazer da carne( o tal egoísmo no sentido lato da palavra ) e uma tentativa de agradar e/ou poupar o que ao normalmente me refiro como consciência, que quando perturbada me é bastante penosa...
enfim, trata-se disto depois....

infinito...
segundo Antero, "Um homem completo pode,em qualquer época, definir-se como sendo o grupo de ideias do seu tempo"... e sendo o tempo que prepara as cores na palete que usamos para nos pintarmos, admitirmos o mesmo como infinito transforma-lo-ia numa massa que, do quão tudo que é, se tornaria homogénea, o que acinzentaria o próprio conceito de homem como besta que pelos tempos acima se empurra tentando melhorar-se...







(peço perdão pela demora, mas entre o blog que não me deu abébias e estar a meio de troca de redes, não foi fácil, enfim, espero que o movimento se mantenha...)[e se a patroa tem algo que ache digno, trate de postar mesmo, acho que nada aqui há de seu, curioso 8-)]

Fátima Inácio Gomes disse...

A patroa criou o blog como manifestação da sua elevada filantropia, pois nada quer para ela, mas para os alunos!

Aliás, não pretende de forma alguma ofuscar o brilho dos seus discípulos, que ficaria imediatamente impanado caso postasse trabalhos pessoais...

Quanto à sua reflexão... I'll be back! Tenho em mães trabalhos demasiado prosaicos para me dedicar ao belo ofício do pensamento livre!

Scorpionster disse...

"Aliás, não pretende de forma alguma ofuscar o brilho dos seus discípulos, que ficaria imediatamente impanado caso postasse trabalhos pessoais..."

:-P

Fátima Inácio Gomes disse...

Correcção: "empanado" *shame on me*

... ai as noitadas!... (e refiro-me a mim!)

Scorpionster disse...

não tinha reparado no erro!

(noitadas... :-P )