segunda-feira, 1 de junho de 2009

Análise do "Hoax"


Antes do mais, amarre-se a palavra que engole todo o texto , “inutilidade” , e ( não a largando mais) prossigamos na análise.

Comecemos, portanto, pelo quinto parágrafo (perdoem-me o salto, mas agora guio eu) : “Que inutilidade que é tudo! É inútil a única verdade em mim, e encontrar-me com ela, mas é sobretudo inútil e ridículo dizer isso com palavras.” - esta é a tese do texto, tudo o que se lhe antecede são metáforas, em jeito de premissas, que a vão destapando.

Posto isto, passemos, agora sim, ao primeiro parágrafo, onde é invocada uma expressão que se irá repetir ao longo do texto, “ a única verdade em mim”, que é uma forma simples de designar uma das grandes dores de dentes dos filósofos – a essência do ser humano. O que é dito neste parágrafo, é que essa mesma essência é inacessível aos outros, “invisível”, mesmo àqueles que fazem parte do indivíduo, que o constroem com as suas próprias vivências - os quais são designados, posteriormente, de “outros-eu”.

1ª premissa: O “eu” é um conjunto daquilo que são os “outros”.

Adiante, no parágrafo seguinte, é exposta, de uma forma muito, ora, particular… o confronto com aquilo que o “eu” é, despido de todas as vivências dos outros. Nessa circunstância e de acordo com a perspectiva apresentada, o “eu” é um vazio, “um nada” aflitivo, que irá apontar, portanto, para a inexistência de sentido da vida humana, ou seja, para a sua inutilidade. A consciência disto incomoda e inquieta!
“Esses outros-eu, se fossem raspados de mim com muita força, de unhas e navalhas empenhadas, não me sobejaria Nada. Um Nada que é a única verdade em mim; tenazmente minha, como um embaraço líquido que se me entornou pela consciência abaixo.”

2ª premissa: O “eu” sem o eco dos outros é um vazio.
3ª premissa: A essência do ser humano será menos que pó.

Tese: A vida do Homem passa a ser inútil, se ele na sua essência não é nada, aliás, se na sua essência é Nada.

Avancemos, para o 3º parágrafo: “Mas como caiu em pano escuro, sendo escura, ninguém repara, excepto eu, quando vou para aqueles sítios que nos roubam os olhos, encontrar-me com a única verdade em mim.”
Permitam-me expor aqui um esquema da janela de Johary, a fim de explicar o porquê de “ninguém reparar”, à excepção do “eu”.


É, assim, facilmente compreensível associar a condição referida no paragrafo à do “eu secreto”, que será, então, construído por algo do conhecimento do “eu” mas não do conhecimento dos outros. Daí também o uso de “pano escuro”, enquanto elemento simbólico do desconhecimento, não fosse a sua função cobrir algo.


Em relação aos “sítios que nos roubam os olhos”, esses, cada um sabe quais são os seus (por exemplo, para o Bonifácio, pelos vistos, é a praia de Afife) :) . Neste contexto, o meu foi um castelo, que dizem não ser castelo, mas eu tapo os ouvidos e faço muita força para acreditar que é e que já lá andaram dragões gigantes e cavaleiros jei…valentes.


Devaneios à parte, continuemos a análise.

Em relação aos “sítios que nos roubam os olhos”, esses, cada um sabe quais são os seus (por exemplo, para o Bonifácio, pelos vistos, é a praia de Afife) J. Neste contexto, o meu foi um castelo que dizem não ser castelo, mas eu tapo os ouvidos e faço muita força para acreditar que é e que já lá andaram dragões gigantes e cavaleiros jei…valentes.

Devaneios à parte, continuemos a análise.

O parágrafo seguinte, “Fica sempre muito calada, mesmo quando a olho de perto, não com os olhos, que esses foram roubados em linha outra, mas olho-a com as mãos e com o que isso possa ter de sólido Absurdo.”, surge para moldar, digamos assim, um ser (material ou espectral, fica ao critério do leitor) que afigurará a “única verdade em mim”, e não é ao acaso que esta “fica sempre muito calada”. Talvez porque nada tenha para dizer, ou será talvez porque, ao fim ao cabo, nada é?

Este parágrafo introduz também uma reflexão que se reitera, mais explicitamente, no sexto parágrafo. Essa reflexão torna-se importante para a percepção do resto do texto, na medida em que enuncia a dicotomia que mais perturba o “eu”. Esta dicotomia estabelece-se entre a consciência do indivíduo e o seu desejo (impetuoso por um lado, ingénuo por outro) de a renunciar: “E sei-o, e continuo a dize-lo como uma voz gravada. Inquieta-se o Absurdo de contente, por entre os meus dedos.”

Há uma notória rejeição da ideia, anteriormente apresentada, do vazio essencial do ser humano, deste modo, evidencia-se uma vontade ofegante de procurar, mais exactamente, de encontrar um qualquer sentido, para, sobre ele, fundamentar a vida.

“O eu esbarrado, que nem um coelho veloz, contra os limites da sua própria inteligência. Desfaz-se o roedor nestas vãs corridas. É ver as vísceras centrifugadas contra o chão… Quanto sangue…” Este pequeno excerto traduz a violência dessa mesma dicotomia e, de certa forma, o triunfo da razão sobre o desejo do “eu”. De que lhe valem as “corridas” pela busca de um sentido, se a inteligência se erguerá sempre, sob a forma de tabique, para lhe relembrar que tudo é inútil?

Atroz, sufocante… o “eu” - “roedor” inquieto e assustado - vale-se da oração, invocando a figura maternal, símbolo de segurança uterina.

“Madre Protégenos
Segura-nos com o teu braço, Mãe, encosta os teus cabelos ao nosso peito até eles nos sufocarem de conforto e aconchego. Lança as tuas unhas contra os nossos corpos para que se libertem deste sangue.”

“ Madre Protégenos” é o título de um álbum dos Íon . Aquelas duas frases foram escritas aquando a primeira audição do single, desde então, costumo sussurra-las quando me sinto mais aflita… paranóico? Talvez. A libertação do sangue representa o esvaziar da angústia, da inquietação. A referência ao sangue surge por ser uma angústia subjugada pela emoção, apesar de partir de um dilema racional.

Nisto a “única verdade em mim”, já personificada, resolve falar ao “eu” e todo o seu discurso é um fervilhar de zombaria atirado ao sonho deste, ao desejo inocente e esperançoso que o individuo teima em alimentar. Mas a dicotomia em que este se envolve e perde (tal é a envolvência) é absolutamente irrisória e absurda, pelo que a caricatura surge de forma imediata “Olha para ti embuste…”,pensamentos pequeninos como agulhas…e já os perdeste no palheiro que és.”

Atente-se na expressão “contos das fadas sem dentes” que concentra em si toda a desmistificação do sonho.

“Agora tenho de ir embora, pois não tenho? Obrigou-me a ir embora…”, o “eu” não tem escapatória possível e sabe disso. Então, decide voltar as costas e retomar os seus afazeres quotidianos: “Vou pela rua abaixo, tenho de ir tratar daquilo antes que feche. Onde era mesmo? Lá ao fundo, pois claro.”

Mas a fantasia não se lhe despega… e toda a realidade banal serve de trampolim para as brincadeiras da imaginação: “Mas os lápis desta papelaria não sabem o sono. E os livros também não. Nem nas vezes em que adormecemos sobre eles, as páginas se interessam em percebe-lo. E tanto faz ser livro de muito saber, como de pouco.”

Contudo, o “eu” não tem como dissimular aquilo que sabe (a inutilidade da vida, o vazio que é a sua essência), neste sentido surge a comparação acre e frontal do “eu” (que se transfigura num “Ela” em falso jeito de identificação pessoal) com uma prostituta que de seu nada tem, que é apenas o conjunto dos “outros”,enfim, que é “forasteira da própria sombra”. Entenda-se aqui a sombra como sendo representativa da consciência daquilo que é “invisível para os outros”, ou seja, voltemos ao início, da “única verdade em mim”, que, inevitavelmente e contra-desejo, é nenhuma (como inicialmente se concluiu).

“Cola-se-lhe ao corpo, como a dor ao peito, a dor de sentir que a única verdade em si, é afinal uma mentira de penas e bunodontes.”

"Ela cresce em mim na ânsia de me ser.
E dentro dela,
Eu caio."



- Desculpe, boa noite,
podia dizer-me as horas que lhe restam?”

O “eu” desiste do seu sonho, deixa-se apoderar pela consciência e fica contando "as horas que lhe restam", pois:

Tese - A vida do Homem passa a ser inútil, se ele na sua essência não é nada, aliás, se a sua essência é Nada.

10 comentários:

Fátima Inácio Gomes disse...

Aguardamos-te, com ansiedade.
Essa visita guiada pelos meandros do pensamento está a ser absolutamente fascinante!... e reveladora.
Há raios de luz a irromperem do texto...

Cláudia Amorim disse...

ainda tenho mais duzentas mil e duas coisas para dizer, mas já não me aguento das canetas

:/

Fátima Inácio Gomes disse...

... às 05:19 deverias estar a dormir, princesa ;-)

Há momentos em que acrescentar a mais ténue palavra apenas perturbaria a Harmonia.
Tens dito.
Fico-te imensamente agradecida.

Cláudia Amorim disse...

a escrita é uma teia complexa, são necessários muitos cálculos para a tecer...

Fátima Inácio Gomes disse...

Sans doute
Apenas não te deixes emaranhar nessa teia... sei que é sedutora, mas tanto te pode fazer perder a ti, como a própria mensagem... ;-)

Boni disse...

o Bonifácio é sempre metido ao barulho !
:D

Cláudia Amorim disse...

ó Boni não entendi :x

Fátima Inácio Gomes disse...

Ó Boni, não repares, gora a Cláudia só percebe metáforas elaboradíssimas e essa tua boca é muito básica... :p a "teia complexa", o "tecer" cálculos e tal...

Nota: meeeedooooo.... ela já começa a perder a noção do que disse... não tarda internamo-la...

Cláudia Amorim disse...

Suas lombrigas viscosas ide p'ró, p'ró olho do... ora, d Hades!


deixem-me em paz :'(



.|.

Cláudia Amorim disse...

Escroques!










XD