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Nunca amamos alguém. Amamos, tão-somente, a ideia que fazemos
de alguém. É a um conceito nosso — em suma, é a nós mesmos — que amamos.
Isto é verdade em toda a escala do amor. No amor sexual buscamos um prazer nosso dado por intermédio de um corpo estranho. No amor diferente do sexual, buscamos um prazer nosso dado por intermédio de uma ideia nossa.
Isto é verdade em toda a escala do amor. No amor sexual buscamos um prazer nosso dado por intermédio de um corpo estranho. No amor diferente do sexual, buscamos um prazer nosso dado por intermédio de uma ideia nossa.
(...)
As relações entre uma alma e outra, através de coisas tão incertas e divergentes como as palavras comuns e os gestos que se empreendem, são matéria de estranha complexidade. No próprio acto em que nos conhecemos, nos desconhecemos. Dizem os dois «amo-te» ou pensam-no e sentem-no por troca, e cada um quer dizer uma ideia diferente, uma vida diferente, até, porventura, uma cor ou um aroma diferente, na soma abstracta de impressões que constitui a actividade da alma.
Estou hoje lúcido como se não existisse. Meu pensamento é em claro como um esqueleto, sem os trapos carnais da ilusão de exprimir. E estas considerações, que formo e abandono, não nasceram de coisa alguma — de coisa alguma, pelo menos, que me esteja na plateia da consciência. Talvez aquela desilusão do caixeiro de praça com a rapariga que tinha, talvez qualquer frase lida nos casos amorosos que os jornais transcrevem dos estrangeiros, talvez até uma vaga náusea que trago comigo e me não explico fisicamente...
Disse mal o escoliasta de Virgílio. É de compreender que sobretudo nos cansamos. Viver é não pensar.
As relações entre uma alma e outra, através de coisas tão incertas e divergentes como as palavras comuns e os gestos que se empreendem, são matéria de estranha complexidade. No próprio acto em que nos conhecemos, nos desconhecemos. Dizem os dois «amo-te» ou pensam-no e sentem-no por troca, e cada um quer dizer uma ideia diferente, uma vida diferente, até, porventura, uma cor ou um aroma diferente, na soma abstracta de impressões que constitui a actividade da alma.
Estou hoje lúcido como se não existisse. Meu pensamento é em claro como um esqueleto, sem os trapos carnais da ilusão de exprimir. E estas considerações, que formo e abandono, não nasceram de coisa alguma — de coisa alguma, pelo menos, que me esteja na plateia da consciência. Talvez aquela desilusão do caixeiro de praça com a rapariga que tinha, talvez qualquer frase lida nos casos amorosos que os jornais transcrevem dos estrangeiros, talvez até uma vaga náusea que trago comigo e me não explico fisicamente...
Disse mal o escoliasta de Virgílio. É de compreender que sobretudo nos cansamos. Viver é não pensar.
Bernardo Soares –
Livro do Desassossego
Egoísta. O amor é essencialmente e
completamente egoísta. Jamais, em tempo algum, amamos alguém pelo que essa
pessoa é, mas sim pelas porções de nós próprios que vemos refletidas nessa
pessoa. Procuramos, muito simplesmente, um espelho que nos mostre o que queremos
ver.
Não nos é possível amar alguém
para além de nós mesmos, porque nunca chegamos, de facto, a conhecer alguém,
só nós. Vemos partes dos outros, toldadas por quem somos. Nunca vemos mais que
um corpo com gestos e atitudes diferentes dos nossos, mas aos quais atribuímos
designações e causas que não passam de fragmentos de nós próprios, do que
queremos que os outros sejam, do que precisamos que os outros sejam, da nossa
parcialidade por estarmos, muito simplesmente, presos dentro de nós. Aquilo que
somos tolda o que vemos.
E, de tempos a tempos,
desiludimo-nos com as pessoas, por terem atitudes para nós inesperadas ou
por se comportarem de um modo que classificamos como estranho. Mas a culpa é nossa,
toda nossa. Fomos nós que inventamos na nossa mente o que essas pessoas nunca
foram, numa tentativa desesperada de nos amarmos a nós próprios. Procuramos
criar nos outros a perfeição que não obtemos em nós mesmos. E aí
desiludimo-nos, porque eles não são perfeitos, não são nada do que
imaginámos/inventámos que eram. Essas pessoas são o que são, apenas e só elas
mesmas, sem tirar nem pôr.
Como é que esperamos, em tempo
algum, que os nossos sentimentos sejam em exacta medida equivalentes aos de
outrem se não sabemos sequer o que o outro sente, ou mesmo se o próprio acto de
sentir é idêntico para ambos?
E nós só nos importamos com as
pessoas quando gostamos delas, quando estamos de algum modo ligados a elas. Não
importa se este ou aquele sofre, se eu não estiver ligada a essa pessoa por
quaisquer laços, a dor dessa pessoa é-me tão querida como saber que a caneta
com que escrevo é preta. Bem, dir-me-eis que não, que sentimos compaixão pelas
pessoas. É verdade, mas apenas sentimos compaixão porque temos noção do que é o
sofrimento, das suas dimensões, o quanto nos consome e deixa reduzidos a
cinzas. Revemo-nos nessas pessoas; estamos simplesmente a sentir pena de nós
próprios. E, do mesmo modo, só nos importamos se aqueles que amamos sofrem
porque o seu sofrimento implica igualmente sofrimento para nós. No fim de
contas, apenas evitamos sofrer.
Tremendamente egoísta. Só pensar
nisto me tira toda a vontade de viver. Fico mergulhada em pleno estado de
letargia, pois não me parece possível viver sabendo isto, considerando-o
verídico, pelo menos nos padrões que conhecemos e aos quais estamos habituados.
Sinto necessidade de acreditar que somos melhores que isto, que somos capazes
de amar os outros por serem simplesmente outros, por não serem nós. Mas seremos
mesmo?
INÊS SILVA, 11º A
INÊS SILVA, 11º A
5 comentários:
Na verdade esta coisa é obra minha, não da Inês Rodrigues x)
Ó céus, Inezita, sorry, troquei os apelidos eheheh
Acontece muito, com a idade... um dia saberás eheheh
Sabes o que é desolada? É a maneira como eu vejo o mundo (mais em concreto - os laços que construi e construo com as pessoas ao meu redor) depois de ler o teu texto.
Esta maneira de pensar, de ver as coisas, é demasiado dolorosa :\ (mas nem por isso deixa de ser um pouco menos válida)
Porque implica vermo-nos a nós próprios de um modo que não queremos ver ou nem sequer consideramos verdadeiro
"Quem tem alma não tem calma" dizia Pessoa.
Pois é... pensar, profundamente, no "sentido da existência" parece que apenas nos traz a consciência de que não tem sentido, pelo menos, em absoluto. Como não se abater, então?
Mas o Homem tem capacidade de perseguir o sonho e é esse que, no fundo, a todos nós, nos move. Pouco importa o tamanho desses sonhos.
Camões falou desse "egoísmo", mas numa perpetiva diferente, superior: "transforma-se o amador na cousa amada".
O verdadeiro amor leva o indivíduo a superar-se. E a transfigurar-se. De facto, nós amamo-nos ao amarmos alguém: amamos o facto de sermos amados, amamos o amor, amamos a pessoas que somos, ao lado daquela pessoa que nos ama.
Mas, amar implica uma acção e, como o próprio Bernardo Soares refere (texto 303) "atravessarmo-nos no caminho alheio", não forçosamente para "o estorvar, ferir e esmagar os outros, conforme o nosso modo de agir." (é sempre tão negativo...)
O amor implica reciprocidade e quando eu me atravesso no caminho do outro, eu também sou atravessada pelo seu caminho.
De repente, o "egoísmo" não se cinge ao Eu-isolado, mas a um Eu-na-relação-com-o-outro, o amador que se transforma "na cousa amada". Quem somos também se torna parte do amador, tanto quando do ser amado.
Quando se ama, não se anula o Outro. Muito pelo contrário - valoriza-se. E nós, com ele.
E, ter a consciência que revelas no teu texto já te arrancará dessa "letargia", pois fará com que aquilo que vivas, o que quer que vivas, seja feito significativamente.
"Só é tua a loucura onde com lucidez te reconheças", Torga.
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