sexta-feira, 28 de novembro de 2008

Carta de Fernando Pessoa a Alberto Caeiro

Carta de Fernando Pessoa a Alberto Caeiro
Lisboa, 8 de Abril de 1914
Meu prezado mestre:

Recordando quem recordações despreza, não resisti em lhe escrever sobre a célebre data em que hoje nos encontramos. Minto, em que o senhor se encontra, pois tive que escrever a carta dois dias antes devido à demora dos correios, que é compreensível pelas vias de acesso que ligam o seu tão amado campo a Lisboa.
Acredito que ainda não tenha tomado consciência do dia em que nos encontramos, uma vez que o tempo para si é limitado ao presente e a consciência só surge no luar, mas em mim esta data surge como o supremo êxtase do meu ser, como o louro que jamais conquistarei. Faz hoje um mês que do meu inconsciente sempre consciente surgiu o ser a quem, inevitavelmente, não poderia dar outro nome que não o de mestre. Foi um mês atrás, que o vi transformar doze folhas de papel em trinta e tantas obras e que vi as minhas mãos falarem o que por blasfémia tomavam.
Nessa mesma noite, escreveu um poema que ontem, em arrumações feitas cá por casa, foi encontrado por baixo da cómoda alta onde se encontravam os papéis que o mestre transformou em arte. E é através de esse mesmo poema que pretendo recordar essa deslumbrante noite.
Passo a citar o poema:

Acho tão natural que não se pense
Que me ponho a rir às vezes, sozinho,
Não sei bem de quê, mas é de qualquer cousa
Que tem que ver com haver gente que pensa...
Que pensará o meu muro da minha sombra?
Pergunto-me às vezes isto até dar por mim
A perguntar-me cousas...
E então desagrado-me, e incomodo-me
Como se desse por mim com um pé dormente...
Que pensará isto de aquilo?
Nada pensa nada.
Terá a terra consciência das pedras e plantas que tem?
Se ele a tiver, que a tenha...
Que me importa isso a mim?
Se eu pensasse nessas cousas,
Deixaria de ver as árvores e as plantas
E deixaria de ver a Terra,
Para ver somente os meus pensamentos...
Entristecia e ficava às escuras.
E assim, sem pensar tenho a Terra e o Céu.

Ao ler o seu poema, mais uma vez lhe digo o que um mês lhe tenho escrito: que tenho inveja da simplicidade do seu ser, da sua interpretação objectiva e natural das cousas, do seu anular do pensamento (“Acho tão natural que não se pense”) e apenas do voltar-se para a visão, eliminando a dor que tanto me atormenta. E é esta inveja com que me encaro, que cria algo estranho e repugnante ao meu ser - um sentimento de admiração e respeito por uma personalidade oposta a minha, um ser em quem, o que me deixa numa angústia e frustração contínua, simplesmente não existe (“Se eu pensasse nessas cousas, (...) Entristecia e ficava às escuras.”).
Algo que também nunca sonhara, inacreditavelmente, nem em pensamentos, era a possibilidade de no mundo surgir alguém a quem o meu masoquismo intelectual, impossível de tratar uma vez que fui condenado à intelectualização perpétua e à infelicidade suprema de nem por um segundo me tornar inconsciente, fizesse fulminar um sorriso (“Que me ponho a rir às vezes, sozinho, (…) Que tem que ver com haver gente que pensa...”). Sorriso, que depois de lido faz algum sentido, visto que provém do Senhor Caeiro, um ser para quem a poesia é construída de sensações, onde o que importa é ver de forma objectiva e natural a realidade com a qual se contacta a todo o momento.
Enquanto reflectia (sentado na cadeira em que o senhor se embalava enquanto escrevera poemas como o “Da minha aldeia vejo quanto da terra se pode ver do Universo” ou “Li hoje quase duas páginas”) sobre o poema acima citado, apercebi-me de algo que nunca pensara anteriormente - que a minha nostálgica infância, o único momento em que realmente fui feliz e inconsciente, surgiu encarnada no mestre como modo de atenuar a minha eterna saudade da inconsciência, nunca valorizada enquanto vivida.
E foi com esta carta e este poema que pretendi recordar o senhor do jamais esquecido dia pelo ser que o toma como enlevo de uma vida.
Abraça-o o discípulo que muito o estima e admira.






PS: O Campos apareceu hoje por minha casa para escrever poemas que, segundo ele, conduzirão à progressão da sociedade Portuguesa. Já sabe como é o Álvaro. Este, vendo-me a escrever-lhe esta carta, pediu-me para lhe recordar do encontro que marcaram para o próximo fim-de-semana. Por favor não se esqueça, pois se não aparecer, certamente terei que aturar o Campos uma noite inteira a exaltar a civilização moderna e os valores do progresso.


Luis Loureiro 12ºB Nº13
[texto ainda por editar pela professora]

2 comentários:

Anónimo disse...

Problemas na formatação do texto!
O blog não faz o que mando! XD

Fátima Inácio Gomes disse...

Está FANTÁSTICO Luís!!!! Estou babada! Obrigada por este pedaço de beleza.