domingo, 23 de novembro de 2008

Antes o voo da ave, que passa e não deixa rasto

Antes o voo da ave, que passa e não deixa rasto,
Que a passagem do animal, que fica lembrada no chão.
A ave passa e esquece, e assim deve ser.
O animal, onde já não está e por isso de nada serve,
Mostra que já esteve, o que não serve para nada.

A recordação é uma traição à Natureza,
Porque a Natureza de ontem não é Natureza.
O que foi não é nada, e lembrar é não ver.

Passa, ave, passa, e ensina-me a passar!

(Alberto Caeiro)

Uma vez que o tempo não estagna e o minuto não se torna infinito, pude, após uma rápida análise dos vários poemas de Fernando Pessoa, escolher este pensamento tão simples e superficialmente profundo de Alberto Caeiro!
Este poeta, como já temos vindo a estudar, é um dos heterónimos mais galardoados [???] que Fernando Pessoa criou, mas que, por incrível que pareça, se opõe a este com bastante clareza. Fernando Pessoa é um dos poetas com quem eu mais me identifico, principalmente devido à sua complexidade na construção das ideias. Este “deus” que é superior aos demais, que se desliga do “coração”, intelectualizando os sentimentos e, cuja razão é a base da sua vida, sofre de uma dor intensa, a dor de pensar, que lhe traz frustração e angústia. Esta dor é agravada quando o seu sonho, o seu ideal não é atingido e também, quando se relembra do passado, da sua infância “como felicidade possuída” e “reconstrução a haver”.
Alberto Caeiro, como verificámos no seguimento deste poema, admira a Natureza e toda a realidade que capta através dos sentidos (enaltecendo muito mais a visão). Substitui, portanto, o pensar pelo sentir - “A sensação é tudo, o pensamento é doença” e, por isso, atingia a felicidade, como a criança da infância de Pessoa Ortónimo.
“Antes o voo da ave” “Que a passagem do animal”, pois a ave passa e não deixa rasto para olhar para trás, para se recordar, para fazer reviver o passado, enquanto que o animal, esse sim, se assemelha a Pessoa Ortónimo, que como recorda, pensa, mas isso não lhe serve de nada, apenas lhe traz dor de pensar, dor de relembrar.
“A recordação é uma traição à Natureza” e ao modo de viver de Caeiro, pois para recordar usamos o pensamento e Caeiro não era apologista desta ideia; o “ontem” não é Natureza porque pertence aos humanos, somos nós que vamos memorizar o passado, vamos dar-lhe um sentido valorativo, logo torna-se numa questão subjectiva, que passa a ser recordada de acordo com cada um de nós.
Talvez esta filosofia de vida adoptada por Caeiro faça de nós pessoas mais felizes, e eu, pessoa sonhadora e, por vezes, complexa que sou, deveria, nesta prisão de sensações, libertar-me da metafísica e “aprender a passar!”.

3 comentários:

Anónimo disse...

Muito bem môr (outra coisa nao esperava de ti), agora percebo porquê tanto trabalho num sábado ;p tas de parabens :) agora atreve-te de comentar o meu (portanto professora se nao postar o meu já sabe de quem é a culpa) -.-' <3

Anónimo disse...

*atreve-te a

Anónimo disse...

bem luisinha....es cranio...emilia