segunda-feira, 20 de novembro de 2006

Tomai lá, do O'Neill!!!!

O título não é inocente... a Antologia Poética do Alexandre O'Neill tem este nome, atrevido e desafiador, como ele mesmo!

Este post tem como destinatários todos os meus alunos interessados em poesia, mas, muito particularmente, os alunos do 10ºC!... é que no teste de avaliação deles, quem falava era, precisamente, O'Neill, que falou do seu poema "Um Adeus Português" e da sua amiga Nora Mitrani.


Sobre Nora Mitrani, deixo-vos a informação de que suicidou, em 1961, e de que O'Neill lhe dedicou seis poemas, estes sim, dedicados a ela, absoluta e assumidamente!...


Para ti o tempo já não urge,
Amiga.
Agora és morta.(Suicida?)
Já Pierrot-vomitando-fogo

(sempre ao serviço dos amantes)
não entra no nosso jogo
como dantes.


Mas esse obscuro servidor,
que promovemos uma vez
(ainda eu não te dedicara
aquele adeus português...),
corre, lesto, como uma chama,

entre nós dois (o saltarim!)
e desafia-nos prá cama.
Esperas por mim?




E deixo-vos, agora, o celebrado "Adeus Português", de Alexandre O'Neill!

Peço-vos (e falo para os alunos do 10ºC) que comentem este poema, brevemente, dando conta da impressão com que ficaram: adequa-se àquilo que pensaram quando leram o texto do teste? Encontraram nele o nojo, a revolta, a paixão adolescente de que o poeta falava? E pensam que fala mais de amor ou de contestação política?

Aguardo as vossas opiniões (e, com certeza, todos os outros alunos são livres de comentar! :D)


Adeus Português


Nos teus olhos altamente perigosos
vigora ainda o mais rigoroso amor
a luz dos ombros pura e a sombra
duma angústia já purificada


Não tu não podias ficar presa comigo
à roda em que apodreço
apodrecemos
a esta pata ensanguentada que vacila
quase medita
e avança mugindo pelo túnel
de uma velha dor


Não podias ficar nesta cadeira
onde passo o dia burocrático
o dia-a-dia da miséria
que sobe aos olhos vem às mãos
aos sorrisos
ao amor mal soletrado
à estupidez ao desespero sem boca
ao medo perfilado
à alegria sonâmbula à vírgula maníaca
do modo funcionário de viver


Não podias ficar nesta casa comigo
em trânsito mortal até ao dia sórdido
canino
policial
até ao dia que não vem da promessa
puríssima da madrugada
mas da miséria de uma noite gerada
por um dia igual


Não podias ficar presa comigo
à pequena dor que cada um de nós
traz docemente pela mão
a esta pequena dor à portuguesa
tão mansa quase vegetal


Mas tu não mereces esta cidade não mereces
esta roda de náusea em que giramos
até à idiotia
esta pequena morte
e o seu minucioso e porco ritual
esta nossa razão absurda de ser


Não tu és da cidade aventureira
da cidade onde o amor encontra as suas ruas
e o cemitério ardente
da sua morte
tu és da cidade onde vives por um fio
de puro acaso
onde morres ou vives não de asfixia
mas às mãos de uma aventura de um comércio puro
sem a moeda falsa do bem e do mal


Nesta curva tão terna e lancinante
que vai ser que já é o teu desaparecimento
digo-te adeus
e como um adolescente
tropeço de ternura por ti.





Eis um site onde podem ler mais sobre o poeta, de um modo bem descontraído:
http://www.vidaslusofonas.pt/alexandre_o_neill.htm

19 comentários:

Anónimo disse...

Acho este poema um bbocado complicado mas vejo que o poeta fala com muita frieza com a pessoa a quem dirige o poema. Fala como se estivessa a pedir qualquer coisa a ela.
LUSO

Anónimo disse...

olah...
É a Liliana do 10º C, sem duvida o "Adeus português" é algo que sustenta várias intepretações.
Bem, o poema vai de encontro com o que eu pensava que podia ser, nota-se perfeitmente o nojo e a revolta do poeta, "Não podias ficar nesta cadeira /onde passo o dia burocrático/o dia-a-dia da miséria ".
quanto à questão de falar mais de amor ou de contestação politica vem uma grande duvida, pois ele fala muito da contestação politica (ele está revoltado com o pais) e ao mesmo tempo diz que existe alguem que não podia ficar "preso" a ele.

Fátima Inácio Gomes disse...

Luso! parabéns! Já conseguiste aparecer.. vais ver que, depois de treinares um pouco, não vais largar este marailhoso "mundo das letras"! Quanto à dificuldade... é só falta de prática! ;-) Um pouco mais de leitura e discussão de temas vai ajudar! :D

Liliana! Num comentário curto conseguiste dizer tanto! Óptimo!!! Está bem visto o "nojo", o inconformismo do poeta, no verso que citaste! A tua dúvida é muito legítima... vamos ver o que os outros colegas comentam! :D

Anónimo disse...

hmmm... interessante... slightly promiscuo... bastante... hmmm... mas está, vá lá, girinho... o gajo até tem jeito...

quando for para falar sobre livros,(que eu já tenha lido, de preferência) avise...

Bruno
10ºG(aranhões)

Fátima Inácio Gomes disse...

Girinho?!?!... GIRINHO!!!! *professora entra em estado fumegante* ...
Mas isso é lá apreciação a fazer-se sobre um dos poemas consagrados da Literatura Portuguesa, de um dos seus grandes poetas (de facto, por cá, eles até são tantos!...), D.Bruno?!?!?!
Ora faça á o favor de reler, com o carinho e atenção que um poema exige.... depois falamos! :P

hummmmm.... "girinho"... tsstss... vai apanhar, vai vai...
:D

Fátima Inácio Gomes disse...

... Já agora... será que leste o "Adeus Português" ou ficaste apenas pelo "Requiem" à Nora Mitrani?!?!...



.... "girinho"... unf!

Anónimo disse...

Pá... ler ler, li os dois, mas se tivesse comentado a genialidade do "adeus português" Vossa Excelência teria respondido com dois posts???

eu fiz o que fiz para que mais palavras fossem derramadas pela terra... funcionou... castigue-me como assim o entender...

Foi giro...

Bruno
10G(aranhões)

Anónimo disse...

De facto este poema constata a presença notória de um torbilhão de sentimentos de revolta que o autor viveu.
Devo referir, em relação ao texto do teste,que as pessoas têm uma certa razão ao dizerem que o poema é inspirado na Nora. Na minha opinião o poeta realça a sua relação com ela de uma forma especial, como sendo a única coisa sadia presente na sua vida.
Sem dúvida o "Adeus Português", não passa despercebido.lol

Fátima Inácio Gomes disse...

ahahaha! Gostei da Excelência, Bruno! Quanto ao castigo... estou a ver que gostas! Vais para o quadro, de joelhos, na próxima aula! (quem nos oiça...:P)
Quanto ao prolixo "palavras derramadas pela terra" deves estar a referir-te às tuas, não?!... é que as minhas elevam-se!...

CLáudia, gostei particularmente desta abordagem "realça a sua relação com ela de uma forma especial, como sendo a única coisa sadia presente na sua vida.". É de fact interessante, pois as relações hmanas, em partcular entre homem e mulher, não se fazem apenas quando se mantêm laços passionais... há muito mais a dar a uma pessoa e não só a/o amada/o é importante na vida de alguém! Há muita gente que ainda precisa de aprender isso... Gostei! ;)

Anónimo disse...

ola sora, outra vez!
Fiquei mesmo muito emocionada ao ler este (mas não se preocupes que não comecei a chorar..:P), achei fantástico a maneira como ele escrevia ao falar de toda aquela "náusea" com que o país estava a passar e também com o sentido de avisar a sua "pobre" amiga...

De facto está um poema bastante excelente!!!
bju!

Anónimo disse...

elevam-se??? quem somos nós, meros mortais, tão imundos e passageiros, para atribuir tal dimensão divina ao que em nós tem sua génese??? como eu fico feliz quando igualo as minhas melhores obras ao desenho caóticamente perfeito de uma rocha pelo tempo e vento desgastada... as palavras são... de facto... o melhor monumento com o qual podemos regalar o Mundo... e até é possivel que as suas se aproximem disso... mas daí a elevalas acima do mesmo... hmmmm... num sei não... vá lá vá lá... discutivel...


Aguardo Diferimento...
Atenciosamente...
Bruno

Fátima Inácio Gomes disse...

Bruno... no mais puro vernáculo..."o que tu queres sei eu! " eheheh
Mas gostei, sim, de tão elevadas palavras... vai praticando! Pode ser que, um dia, um jovem, lendo um poema teu, ainda diga... "girinho, o gajo até tem jeito..."!
Quanto à tua questão "quem somos nós, meros mortais, tão imundos e passageiros, para atribuir tal dimensão divina ao que em nós tem sua génese??? ", não a reduzirei a mera retórica... citarei um "amigo" meu: "Vem-me saudades de ter sido Deus"... "o Deus que nós, os homens, criámos eternamente." (Mário de Sá-Carneiro)

Teresa... é esse o grande poder da poesia... fazer-nos sentir, fortemente! Quanto à "náusea"... por vezes, é importnte que a sintamos, para não nos acomodarmos!

Fátima Inácio Gomes disse...

Aos meninos... alguns apontamentos ortográficos! ;)
Escreve-se "turbilhão", "deferimento"" e os advérbios em -mente, não têm acento gráfico (salvo raríssimas excepções que não me ocorrem agora! lol)

Anónimo disse...

é bom...

agradecido pelas menores correcções...

estou á espera do proximo...

Anónimo disse...

O "Adeus português" é um pouco confuso mas arrisco-me a dizer que o O'Neill escreveu o poema a "pensar" em Nora Mitrani....não excluindo a hipotese de ser também uma critica face ao regime que se vivia em Portugal nessa altura..
João Pedro

Fátima Inácio Gomes disse...

Boa, João Pedro! :D Deste "uma no cravo e outra na ferradura"! eheheh
E eu, no meu papel de professora, acrescentaria... onde vês alusões a Nora Mitrani? E onde detectas essa crítica ao regime? ;)

Anónimo disse...

ola:D
sou a Catarina do 10ºC
De facto o poema é simplesmente unico e transmite uma intensidade tao grande que de imediato nos transporta para o ambiente que o gerou. o "adeus portugues" corresponde totalmente aquilo que imaginei, pois entre a raiva, revolta, nojo,que o poeta mostra sentir em relaçao ao ambiente politico que o rodeia, surge uma demonstraçao enorme de um amor imenso que sentia pela sua "amiga".
é,para mim, sobre este amor que todo o poema gira, sendo de destacar a maravilhosa demonstraçao de amor que ele apresenta: "como um adolescente...tropeço de ternura por ti".

Fátima Inácio Gomes disse...

Ai Catarina!... esse verso,esse verso!... acho-o simplesmente fantástico, tão arrasador na sua ingénua pureza,tão intenso na sua simplicidade!

Anónimo disse...

oi...
Na minha opinião o teste teria sido muito mais fácil de resolver, se conhecesse o poema.
É um poema, em que se nota que o poeta está triste, revoltado...
Ao ler o poema nota-se um aperto no coração... é um poema sofrido. Isto, é claro, a minha interpretação, visto que seja um poema que pode ter vária interpretações.
Com o poema torna-se muito mais fácil perceber o texto. Fiquei com as ideias muito mais organizadas.
Cátia Bogas 10ºC
Bjs