sábado, 5 de dezembro de 2009

Quem me dera que eu fosse o pó da estrada






Quem me dera que eu fosse o pó da estrada
E que os pés dos pobres me estivessem pisando...


Quem me dera que eu fosse os rios que correm
E que as lavadeiras estivessem à minha beira...


Quem me dera que eu fosse os choupos à margem do rio
E tivesse só o céu por cima e a água por baixo...


Quem me dera que eu fosse o burro do moleiro
E que ele me batesse e me estimasse...


Antes isso que ser o que atravessa a vida
Olhando para trás de si e tendo pena...



Alberto Caeiro



Este poema escolheu-me pois fala sobre nós sermos alguém na vida, não nos limitarmos a vivê-la e a passar o tempo sem ser da maneira como nós realmente queríamos ou desejávamos.
Este poema fala-me sobre alargar horizontes, não nos deixarmos ficar a olhar para trás e pensar “antigamente é que eram os bons tempos”; fala-me sobre ter visão para um futuro que eu, ou qualquer outra pessoa, queira, mas, principalmente, um futuro desejado, ambicionado e sonhado. O dinheiro não faz parte como algo vital; podemos amar o que fazemos sem ganhar muito dinheiro… Agora, aquele empresário “podre de rico” que tenha tido sempre tudo o que queria com o dinheiro que ganhou, mas que nunca fez aquilo que realmente lhe dava prazer, vai, ao fim de algum tempo, olhar para trás e pensar “tenho este dinheiro todo, mas que fiz eu que realmente ambicionasse e desejasse?”.
Temos que ser felizes com o que fazemos na nossa vida mas, ao mesmo tempo, também sermos útil no que nos propomos fazer.
O “pó da estrada” pode ser algo insignificante, mas ele está lá na estrada, para que “os pés dos pobres” o pisem, ou seja, é útil para alguém;
A água que forma um rio pode ser algo de trivial para um ser humano, mas ela está lá para quando as lavadeiras precisam dela, escutando, talvez, a alegria destas últimas, ouvindo as suas conversas, como se nada de mais importante houvesse a fazer naquele momento;
O burro do moleiro pode ter uma vida, aos olhos de muitos, desgraçada, mas ele está lá para trabalhar para o moleiro, é útil para um ser humano que leva uma vida desgastante, e serve de companhia para alguém com uma vida solitária, pelo qual é estimado pelo dono.
Concluindo, por muito insignificante que seja a vida, ela é preciosa aos nossos olhos e, portanto, tem que ser vivida à nossa maneira, ao nosso gosto, de acordo com as nossas fantasias. Não nos podemos limitar a ver as estações passarem e não as sentir, não as viver, passar décadas com pena do que fazemos e com culpa interior de não termos feito a escolha que nós desejávamos, pois “tudo é possível, o impossível só demora mais tempo a realizar-se”.



João Nunes

1 comentário:

Fátima Inácio Gomes disse...

Gostei, Joca. Dedicaste tempo e reflexão... o Metsre Caiero não merece menos.