quinta-feira, 3 de janeiro de 2008

Vieira, o Polvo e a Morte



Continuo possuída pela sanha inspiratória, que não inquisitória, nascida das leituras, múltiplas, por gosto e obrigação, do “Sermão de Santo António aos Peixes”, do Padre António Vieira. A última revelação: a cor da Morte. Sim, não faço a coisa por menos! Descobri a cor da Morte, sem margem para dúvidas: se o Medo é amarelo e a Raiva, verde, a Morte é… da cor do Polvo.
Não se espantem! Basta ler Vieira e o que dizia do Polvo: As cores, que no camaleão são gala, no polvo são malícia; as figuras, que em Proteu são fábula, no polvo são verdade e artifício. Se está nos limos, faz-se verde; se está na areia, faz-se branco; se está no lodo, faz-se pardo: e se está em alguma pedra, como mais ordinariamente costuma estar, faz-se da cor da mesma pedra. (Capítulo V).

Como? … não vêem a relação? Mas é claro que não! Desde quando as revelações deste calibre são evidentes?... é preciso haver uma maturação interior, um caminhar para a luz, uma ascensão no caminho do conhecimento… e a interacção com os alunos e as suas dúvidas e questões. Só hoje, confesso humilde e envergonhadamente, atingi todo o alcance deste excerto (não enxerto, atenção) do Sermão, quando me deparei com o desconhecimento de alguns alunos sobre esta característica mutatis mutandis do Polvo (reparem no elegante recurso ao Latim, para não ficar aquém do douto Orador... o significado não é exactamente o mais apropriado, mas que soa bem, soa!): pensavam que o Polvo tinha a cor com que se apresenta no prato. Ao responder-lhes, vi a Luz! Essa é a cor quando está morto! E.... se este adopta a cor do ambiente em que está… estando morto… adopta a cor da Morte!!!
Eis, pois, porque o ser humano fica arroxeado quando morre, ou porque vemos esse belo branco arroxeado na doce Noiva Cadáver do Burton, ou porque os paramentos da Semana Santa (vejam a brilhante ponte que faço com a dimensão religiosa do Sermão) são roxos… é porque,efectivamente, é essa a cor da Morte! E foi o Polvo que no-la revelou.

Por acaso, em época de roupa velha e de aproveitamentos afins, vou fazer, para logo à noite, arroz de polvo. Pretendo comê-lo com profundo respeito reverente.





Fátima Inácio Gomes

2 comentários:

Li disse...

Estava eu a ler radiante o texto de inspiração nascida na aula de hoje, quando me deparo com a última imagem. Qual Anti-climax ou reviravolta estomacal! Francamente! De uma forma nada erudita exprimo a minha repulsa - CA NOJA!

Fátima Inácio Gomes disse...

ehehed diz lá que não causa impacto!... o encanto , precisamente, esse: perturbar as mentes, e os estômagos, mais sensíveis! *evil*

Nota culinária: por acaso, no jantar de hoje, o polvo não estava nada mole, que é o que te desgosta... ficou rijo (o que me desgosta a mim! :P).