sexta-feira, 28 de maio de 2010

Uma espera demorada


Quando comecei a fazer este trabalho pensei em escolher uma das belas fotos que tenho feito nas várias viagens ao geres. Pois a natureza, todos os seus elementos e seres vivos fascinam-me. A natureza também me seduz pela organização completíssima, através de ciclos (ciclo de água, da rocha, da vida, etc) e se porventura alguma partícula ou até mesmo o mais pequeno átomo sair deste movimento circular, logo, logo encontra várias passagens para voltar ao mesmo caminho.
No entanto escolhi uma fotografia não que me deixe maravilhado, mas que me choca, de tal maneira que mudou a minha vida durante dois anos. Decidi entrar no seminário dos Missionários Combonianos com o propósito de ajudar as pessoas que vivem carenciadas de necessidades básicas, perdem a família numa guerra pelo poder e pelo dinheiro, querem trabalhar para sustentar a sua família mas não podem sair de casa, uma vez que estão rodeados de disparos.
Posso falar de casos bem concretos. Entre os quais, eu, mais os meus colegas do seminário participamos em algumas campanhas de solidariedade: o conflito do darfur (se tiverem vontade de ajudar ou de perceber como se gerou esse conflito, podem fazê-lo através do sitio: www.pordarfur.org); A construção dum poço para Etiópia, já imaginou as doenças que se criam numa população por não haver água potável? Então veja este vídeo: http://www.youtube.com/watch?v=pQTE3x-pkFE.
Portanto eu arrisco-me a dizer que tive a sorte de muitas imagens me escolherem, quando me chocaram. Como não consegui passar indiferente às situações que essas imagens descrevem, dei um rumo diferente a minha vida.
Pois bem, esta vontade de “servir o outro” nasceu, quando andava no nono ano de escolaridade, e com o passar do tempo fiquei com a impressão que ia desaparecendo, à medida que apareciam os obstáculos: problemas internos com o grupo; saudades dos antigos colegas e da família; a necessidade tentar resolver os problemas dos meus pais. A juntar a isso veio o meu comodismo como toda gente o tem. Depois acabei por sair do seminário e entrei na escola Secundária de Barcelos.
Mas vou passar a falar sobre a minha imagem. Eu escolhi a fotografia que ganhou o prémio pulitzer prize em 1994 (aliás ela é que me escolheu a mim, porém como também muitas outras me escolheram, tive de fazer uma selecção).
Esta criança encontra-se a um quilómetro do campo de refugiados. Está bastante debilitada e procura um pouco de comida para lhe dar energia. Atrás dela é impossível deixar de ver um abutre à espera que a criança termine a sua busca. Não se sabe o desfecho desta história se a criança consegui sobreviver aos olhos do necrófago ou se este teve êxito na sua espera. O fotógrafo, passados três meses após ter visto esta foto, suicidou-se com uma depressão. Penso que se interrogou milhares de vezes: “Porque não dei uma nova vida aquela criança?”. Por vezes lamentamo-nos de ter feito certas coisas e queremos ter uma nova oportunidade para fazer exactamente aquilo que deveríamos ter feito pois era um dever nosso (no caso deste homem era dar de comer e um tecto onde possa morar a pobre criança). Contudo é impossível, já diz o Tim, vocalista do Xutos & Pontapés:
O que foi não volta a ser
Mesmo que muito se queira
E querer muito é poder
O que foi não volta a ser
Termino a minha reflexão dando dois nomes de filmes, que também me escolheram, uma vez que um filme é uma série de imagens projectadas com uma velocidade maior do que capacidade resolutiva da visão humana:
• Diamantes de sangue;
• Hotel Rwanda.

3 comentários:

Cristina disse...

O que a imagem não mostra é um pouco de água à frente da criança...
Também acrescento uma outra informação, que pode ou não ser pertinente: a foto ganhou, de facto, um prémio e tornou o fotógrafo num dos mais conhecidos. Contudo, se não estou em erro, o fotógrafo Kevin Carter arrependeu-se de ter tirado a fotografia e, mesmo, de ter perseguido o abutre para afastá-lo, mas não ter ajudado a criança, ainda que não houvesse muito a fazer por ela.
É, de facto, uma imagem muito forte!

Fátima Inácio Gomes disse...

Obrigada, Cristina, pelo aprofundamento. É doloroso olhar para algo assim. E saber que é real.

Fátima Inácio Gomes disse...

Que belo trabalho, André. Particularmente, pela humanidade que transmites, em cada linha da tua abordagem.
Falaste do voluntariado... é uma acção extremamente meritória e, mesmo não indo para fora, há sempre tanto para fazer por perto. Não deixes de o praticar, mesmo que em menor escala. Também tens direito aos teus sonhos, aos teus projectos, a criar o teu caminho, mas certamente ele será, sempre, muito mais rico, quando o enriqueceres com essa humanidade.

Os filmes são grandes fontes de imagens, sem dúvida. Vi um, ainda não arranjei coragem para ver o Hotel Rwanda...hipersensibilidade a estas questões. Tal como tu, quando vejo algo assim, sinto vontade de pegar numa mochila e ir fazer algo...

Obrigada pela tua abordagem, André :)