Guia-me a só a razão.
Não me deram mais guia.
Alumia-me em vão?
Só ela me alumia.
Tivesse quem criou
O mundo desejado
Que eu fosse outro que sou,
Ter-me-ia outro criado.
Deu-me olhos para ver.
Olho, vejo, acredito.
Como ousarei dizer:
«Cego, fora eu bendito»?
Como olhar, a razão
Deus me deu, para ver
Para além da visão —
Olhar de conhecer.
Se ver é enganar-me,
Pensar um descaminho,
Não sei. Deus os quis dar-me
Por verdade e caminho.
Fernando Pessoa
Este poema escolheu-me porque apela a quem o lê a fazer o que realmente gosta e não a fazê-lo porque o grupo em que estamos inseridos quer que o façamos. Apela-nos a seguir apenas os nossos princípios. Também apela para aquilo a que chamo ir "contra a corrente". Por vezes, sabemos que certas pessoas têm atitudes erradas e não temos a coragem de as parar e, pior do que isso, deixamo-nos ir na “onda”. Acho que toda a gente já experimentou como é difícil nadar contra a corrente, onde tudo nos puxa para trás, mas nós queremos seguir o nosso caminho.
Para salientar esta ideia, eu vou ainda buscar uns versos do poema “Cântico Negro”, de José Régio:”Vem por aqui(…) Não, não vou por ai! Só vou para onde/ me levam os meus próprios passos…”
No entanto, acho que Pessoa exagera. Portanto, vou já avançar para a última estrofe.
Muitas vezes, na nossa vida, temos que tomar opções e nem sempre escolhemos a mais correcta, porque era a mais fácil, ou porque a nossa teimosia nos obrigou a fazê-lo. Há ainda muitas outras razões pelas quais nós não escolhemos o caminho certo. Diz Pessoa:”Se ver é enganar-me/ Pensar um descaminho” se calhar o melhor seria não ver. Também diz a sabedoria popular, que não tão radical:”Errar é humano”. Mas eu digo: -Humano é, aprender com os erros!
Espero que gostem da minha análise, admito que não sou muito bom a exprimir aquilo que sinto, mas esforcei-me…
4 comentários:
se quiser ouvir o poema inteiro de José Régio é só copiar, colar: http://www.youtube.com/watch?v=8Lu4C9q5J-0
"se calhar o melhor seria não ver"... esse pensamento não está expresso em Pessoa. Também não é o teu, pelo que manifestas. O poema prende-se muito mais com a questão da "Razão", tão pessoana.
Obrigada por teres trazido o link do poema de José Régio - é um dos meus preferidos.:)
Estivesses na nossa escola no ano passado e poderias ter ouvido uma colega (do 12º ano de então) a declamá-lo maravilhosamente ;-)
pois...mas tive oportunidade ouvir a declamação, do mesmo poema, dum Professor de Português, que declama poemas a grandes multidões, e sempre acompanhado dum músico.:P
Sua expressividade era tal que deu vida à personagem dum outro poema, que é apenas uma adaptação do "Cântico Negro", pondo a assembleia toda às gargalhadas.:P
Foi um momento memoravel
O poema é este:
Cântico Tinto:
" Não bebas vinho - dizem-me alguns com olhos abstémios,
Retirando-me os copos, e seguros
De que seria bom que eu os ouvisse
Quando me dizem: "não bebas vinho"!
Eu olho-os com olhos bêbados,
(Há nos meus olhos ironia e mágoa)
E enxugo mais um copo,
E nunca bebo água.
A minha glória é esta:
Sem a botija cheia,
Não acompanhar ninguém!
- Que eu bebo vinho com o mesmo à vontade
Com que um menino chupa o leite a sua mãe.
Não,não vou por aí!Só vou por onde
Haja tascas no caminho...
Se quando a conta vem meu bolso é que responde,
Porque me repetis:"Não bebas vinho"?
Prefiro ir esbarrar nos guardas sonolentos
Sentir que sou levado pelos ventos,
Redemoinhar em volta dos postes macilentos,
A não beber vinho...
Se vim ao mundo, foi
Só para esvaziar canecas cheias,
E para lavar os pés tenho a água reservada
O mais que faço não vale nada.
Como, pois, sereis vós
Que me fareis discursos, rogos e promessas
Querendo entre mim e os copos pôr obstáculos?...
Corre, nas vossas veias, sangue velho e capilé
E vós amais o que não tem sabor!
Eu amo o Aveleda, o Colares, o Cartaxo,
Só no verde e no tinto ponho fé
Só ao branco e ao maduro tenho amor
Ide, tendes laranjadas,
Tendes sumos, tendes cocas,
Tendes Vidago, Pedras Salgadas
E outras águas " boas " gabadas pelos sábios...
-Eu tenho a minha alegre bebedeira!
Levanto-a como um facho ou uma bandeira,
E sinto espuma,e vinho, e cânticos nos lábios...
O Copo e a Garrafa é que me guiam, mais ninguém.
Todos tiveram pai todos tiveram mãe
Mas eu, a quem beber jamais estafa
Nasci do amor que há entre o copo e a garrafa.
Ah, que ninguém me dê água de Luso em garrafões!
Ninguém me ofereça pingos ou galões
Ninguém me diga:"Não bebas vinho"!
A minha vida é uma rolha que saltou
É uma garrafa que se esvaziou,
É um copinho a mais que me animou..
Não sei por onde vou
Não sei para onde vou,
O que não vou é sem vinho!
J.M. Matos Vila
as como é que eu desconhecia essa maravilha?!?!?!? 0_o
Está deliciosa!!! muito bem feita. Ficaria bem ao lado do "embriaga-te" do Baudelaire :D
Muito obrigada por o teres trazido, André! :D Mesmo!
Que tal se o pusesses num post próprio, com introdução e imagem condicente ;-)
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