domingo, 20 de julho de 2008

Na sombra das horas vagas
O teu sorriso quando falas,
vem beijar o meu.

Derivo
Eu Terra
em teus olhos mar,
de cheiro azul;
que inebriam o meu corpo
que o fazem naufragar.
.

sábado, 12 de julho de 2008

Tempo...







Falámos de Tempo a propósito de Caeiro... a Clepsidra é um "medidor" do Tempo... já que fui desafiada, deixo aqui o resultado da minha parca inspiração de outros tempos...






E de novo me arremeto para a escrita
Sem origens, sem objectivos
Sem um passado, sem um futuro...
... tal como na vida.

O Passado?
Essa nebulosa instável
Entre lamento arrastado e alegria afável
Senhor sem reino neste mundo,
O seu mundo, tão longe,
Que mais vale não explorar...
Quem sabe os medos que dele
Podem despertar!

O Futuro?
O mais ingrato!
Que entre sonhos e necromancias
Nos ilude e atrai
Marionetas d’ignorâncias
Para o labirinto de uma Creta
Que já morta nos prende,
Perversamente discreta,
Ao irremediável passado
Que todo o futuro carrega
Como condenado.

O Presente?!?
Ah! Esse é o momento da vida!
Botão que luta entre a terra e o sol
Que é quas’Alfa e quas’ Omega
Tão quase que em cada entrega
De uma vida ao seu reino fugaz
É como Fénix que das cinzas se refaz.

E assim o Homem vai vivendo
Sua vida, malha que o Tempo

Vai tecendo.

quarta-feira, 9 de julho de 2008

Carta de Camillo Pessanha







[A Alberto Osóro De Castro]



(Confidencial)


Meu querido amigo


Chegado ante-hontem de Mirandella, onde me demorei um mez, encontrei hoje sobre a mesa do meu quarto o seu pobre bilhete esquecido.

Teem-me feito bem estas viajatas, mudanças de paisagem e de regímen alimenticio.

Na hospedaria de Mirandella come-se cada dia um leitão, bebe-se por copos d’agua vinho verdasco das bandas de Amarante e tem-se por convivas caixeiros do porto e batoteiros de Valle-Passos e Alijó. Muito cosido, salpicões cosidos de Vinhaes, comesanas de ensopados a nadarem em manteiga de porco, tudo carniçada sem hervagens, pimentos curtidos. Os melões de Villariça tão brutos de tamanho e do seu cheiro sexual, e uma doçaria de nomes indigestos e beatos, que parecem amaçados por mãos de freira com esperma de frade, papos d’anjo, sonhos, pasteis de Lamego, Pios IXIX. Toda esta fressura dá sobre a debilidade pelas 7 horas da tarde, e unitiliza depois toda a noite em um estupor de giboia.

Pelo mez fora, idas e vindas a Marmellos, légua e meia de cada vez , a pé, por um sol de queimar os olhos, sem pinhaes a comerem a luz. D’aqui até à Regua e da Regua para aqui, os solavancos da carripana da diligencia, com o cheiro a suor das pilecas, todas em sangue dos moscardos e do chicote, e a poeiraça que vae até às guellas e a sordidez do cocheiro, arregaçando até às ligas com um piscar de olho avinagrado as sete saias das rameiras que viajam lado a lado connosco na imperial. Como tudo isto é bíblico! Os apertões brutos, a prostituição das aldeias tão primitivamente animal, faminta no inverno e farta no verão que n’esta quadra do anno acode, muito espalhada de vestuários, das bandas de Murça e de Carrezeda, aos arraiaes e ás feiras até Viseu.

Veja se a minha hyperesthesia não avia de se adormentar.

E depois as commoções violentas até absorverem o dia, da política, empenhada e convulsionada, braço a braço, em uma terra selvagem. A indignação por causa do juiz, que pronunciou um dos quarenta sem fiança para o inutilizar na eleição de Janeiro. E as appellações e os aggravos, e as denuncias e as syndicancias, e todos os roubos e todas as violações, e as testemunhas que juram falso, e os assassínios e os engajadores, e todo aquelle horizonte, desolado de estevaes e montes maninhos, onde raro é o dia que não é morto algum homem, à foiçada, debaixo do sol rutilo.

Hoje, regularizadas as digestões e o sonno, satisfeito, indifferente, provocador, glutão, - o seu bilhete foi uma névoa que de repente veio cegar por meia hora o meu coração de tristeza. Diga-me que desenganos o levaram até Mangualde quando eu começava de me iludir? Quanto teremos de soffrer, nós todos, e eu sem sequer poder corresponder-lhe, e d’essa vez dar-lhe consolação, tanta é a minha saúde exuberante. Não lhe tenho escripto, em parte, para não o melindrar com uma carta tão lógica e tão grosseira como esta vae. Porque eu bem vejo que sou esta carta, minha alma.

Deus fade para bem o seu menino. Muitos beijos à Gigi, nossos amores e as minhas attenções à Sr.ª D. Catharina.



Lamego, 28 de Agosto




Camillo Pessanha