Barcelos, 26 de Fevereiro 2007
Querido Matthias,
O Carnaval já passou e agora voltamos à escola com mais ânimo… ou não!
Ao contrário de todas as outras cartas, esta não conterá novidades nas palavras que seguem – em vez disso, falarei de um livro que aconselho, desde já, a leres.
Que ironia! Escrevo-te para comentar e aconselhar um livro da literatura do teu país. “O Perfume” (1989) é o romance de que te falo.
Se o escritor alemão Patrick Süskind (Munique, 1949) atingiu o seu apogeu com esta obra digna de admiração e, por isso mesmo, possamos considerá-lo um génio – por se ter mantido fiel ao leitor e às personagens, descrevendo sempre cada pormenor com rigor e perspicácia – é justo dizer que foi merecido o estatuto de best-seller que o livro atingiu, ainda que tenha sido o primeiro romance do autor.
Aliada à impressionante descrição e desenrolar da acção, está a marcante densidade psicológica do protagonista. Se procuras um herói convencional, escusas de tirar o livro da estante, pois o que te espera é um vilão, um anti-herói incapaz de amar e, contudo, perfeitamente apto para matar em prol do seu maior desejo – a concretização do odor perfeito.
Jean-Baptiste Grenouille ambicionava possuir um odor capaz de despertar o amor dos outros, capaz de o tornar superior aos outros… mais do que já considerava ser.
“ (…) De facto, os homens podiam fechar os olhos ante a grandiosidade, ante o louvor, ante a beleza e fechar os ouvidos a melodias ou palavras lisonjeiras. Não podiam, no entanto, furtar-se ao odor, dado que o odor era irmão da respiração. Penetrava nos homens em simultâneo com ela: não podiam erguer-lhe obstáculos, caso lhes interessasse viver. E o odor penetrava directamente neles, até ao coração e ali tomava decisões sobre a simpatia e o desprezo, a repugnância e o desejo, o amor e o ódio. Quem controlava os odores, controlava o coração dos homens. (…)”
E foi assim que Süskind me deu a conhecer uma das mais maléficas personagens (ficcionais) francesas do século XVIII, transportando-me para um mundo odorífero, onde a palavra (do) eflúvio impera, arrebatando-me com a trama de um tal horror que se convertia numa macabra e sombria beleza.
Não te ocuparei mais tempo. Vai dando notícias.
Com saudades, um beijo,
Lili.